Souto da Casa – Graças a Rufar

Em tempos de Advento, no final de uma Eucaristia Dominical, o celebrante informou da morte de Joaquim Lobato, uma personagem conhecida por muita gente.

A notícia da morte não foi uma surpresa total, porque a luta contra uma doença incurável já se mantinha há alguns meses.

Joaquim Castanheira Lobato nasceu no Souto da Casa e depressa calcorreou a estrada circundante da Gardunha, a caminho do Fundão, sendo um dos primeiros mecânicos das Indústrias do Fundão (até podia ter sido gerente, mas optou pelo não).

No Souto da Casa, desenvolveu uma ação cristã, cívica e cultural, traduzida em atos. Foi membro da Direção da Casa do Povo, exercendo o cargo de Secretário; um dos Fundadores do Rancho Folclórico do Souto da Casa; Juiz da Irmandade do Santíssimo, com a missão da cerimónia das exéquias na Capela Funerária; elemento da Comissão Fabriqueira do Souto da Casa e do Centro Social Paroquial. Não esqueço as diversas vezes que nos cruzámos no Banco Alimentar da Boidobra, acompanhado pelo então Pároco António Carlos Martins. Era um ajudante de primeira classe, na missão de voluntariado, um exemplo a registar.

A grande imagem de Joaquim Lobato apareceu no Grupo dos Bombos do Souto da Casa. Ao recuar no tempo, fala-se na existência de duas bandas de música, mais tarde extintas. Em 1890, na Tomada do Carvalhal, um bombo de uma das filarmónicas foi o instrumento musical que alertou fez o chamamento popular e mobilizou o povo para a vitória. A partir dessa data, uma vez por ano, todas as Quartas de Cinzas, os bombos voltam ao Carvalhal.

Por razões possivelmente políticas, os Bombos do Souto da Casa foram silenciados para o exterior, com exceção das Festividades do Senhor da Saúde, da Santa Luzia e Almaceda.

A seguir ao 25 de Abril, os medos foram vencidos, as fronteiras geográficas alargaram-se e o Grupo de Bombons tomou uma melhor organização, com um traje próprio, calça e colete de sarra beque, camisa de linho ou pano-cru, carapuça ou chapéu de feltro, botas de cabedal e lenço vermelho tabaqueiro. 

Segundo Américo José Barroca Simão, artesão e tocador do Grupo de Bombos de Lavacolhos, um grupo de bombos, para funcionar bem, deve ter uma composição de dez pessoas, seis tocadores, dois caixas, um tocador de pífaro e um porta-estandarte. Embora cada grupo tenha a sua sonorização, o grande maestro do conjunto é o tocador de pífaro.  

Sempre que um filho ilustre da terra regressava, era recebido, a pedido da família, pelo Grupo dos Bombos do Souto da Casa.

No Souto da Casa há bons tocadores de bombos, mas é de toda a justiça salientar dois nomes: José Vaz Lindo e Joaquim Lobato. Quem não recorda este executante do bombo? Tocava-o a dançar e a saltar, às vezes com os dois pés. Um conterrâneo afirmou: “não havia no Souto da Casa um tocador de bombo com esta categoria e alegria.” Era impressionante a simbiose com o instrumento, parecia uma extensão natural do corpo.

Na semana que antecedeu o seu falecimento houve um acontecimento digno de nota. No Fundão, decorreu o II Congresso do Bombo, onde foi discutida e analisada a arte de rufar. Esta arte está na identidade das gentes do Fundão e vai avançar-se com a candidatura do Bombo a Património Imaterial Nacional. Num país onde há teses académicas sobre tudo, fiquei a saber que os bombos também já não escapam aos doutorandos.  

No dia 2 de Dezembro, na inauguração da Requalificação da Escola do Primeiro Ciclo do Ensino Básico no Souto da Casa, uma dúzia de crianças no Pátio Escolar recebeu as individualidades ao som dos seus bombos, tocados com muita mestria. Estão ali os futuros músicos.

No Souto da Casa os BOMBOS nunca morrem. Vão continuar a rufar com esta geração, perpetuando um dos seus melhores intérpretes: Joaquim Castanheira Lobato.

O Povo da Rama do Castanheiro encheu as ruas da sua aldeia e veio prestar homenagem a este seu filho, que deu os talentos que recebeu, valorizando a sua comunidade. A ovação espontânea que todo o Povo lhe prestou no final da Eucaristia, foi a prova de como todos lhe estavam gratos.

Graças a rufar.                                       

António Alves Fernandes – Aldeia de Joanes

Dezembro/2016

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