Um dos apelidos que integra o seu nome aponta as suas origens. É gente da rama do castanheiro, lutadora e de forte carácter. Gente que festeja os 125 anos do “CARVALHAL É NOSSO.”
Nasceu numa família pobre, o pai jornaleiro e taberneiro ambulante, a mãe doméstica. Aos sete anos, já ajudava os progenitores. Acompanhava-os em feiras, mercados e nas mais importantes romarias e festas da região beirã. A aquisição de vinhos acontecia normalmente na freguesia do Ferro (Covilhã). O vinho era armazenado em pipos de madeira de castanho ou carvalho e transportado numa velha carroça, umas vezes puxado por uma mula, outras por uma potente égua. Um dia anoiteceu tão depressa que tiveram que passar a noite junto ao cemitério do Ferro – o veículo não tinha sinalização para circular sem a luz do dia. A maioria dos mortos não incomoda ninguém (uma ou outra consciência e pouco mais) e lá dormiram os nossos homens, abrigados pelas paredes do cemitério e pelas tábuas da carroça.

O nosso jovem ajudava os pais a montar a taberna ambulante e a vender – os vinhos, os pães de quatro quartos acompanhados por deliciosos pedaços de bacalhau frito e outras iguarias que a sua mãe (a Tia Luzia Ascensão) cozinhara de madrugada. Os peregrinos e devotos das Festas de Santa Luzia no Castelejo acorriam ao balcão da comida e da bebida com muita fé. Em boa verdade, os nossos comerciantes corriam quase todas as festas das freguesias: Nossa Senhora do Amparo na Aldeia de Joanes; Nossa Senhora da Ourada em S. Vicente da Beira; Nossa Senhora de Fátima no Freixial; O Senhor da Saúde no Souto da Casa; a Nossa Senhora da Rosa no Telhado, Nossa Senhora das Dores no Pau, Nossa Senhora do Pé da Cruz em Aldeia Nova do Cabo entre outras.
Onde mais gostava de ser mercante era nos mercados e feiras do Fundão, repletas de vendedores e compradores. O pai instalava a taberna no Mercado dos Bois (hoje está lá instalado o edifício dos CTT), e vendia sobretudo quartilhos e meio quartilhos e o pão de quatro quartos. Um pedaço de bacalhau frito custava um escudo e cinquenta centavos (em moeda actual equivale a quinze cêntimos).
Um dia teve a visita inesperada da autoridade policial, um riscado qualquer, que observou que o quartilho tinha um resto de vinho, e, por esse facto, tinha de ser multado em cem escudos. O pobre do Taberneiro – Joaquim Encarnação Castanheira-, explicou que era o resto de vinho de um cliente que já estava bêbado e não podia beber mais, a limpeza e a higiene geral não estavam em causa. Sem contemplações nem piedade, o agente puxou do bloco das multas e notificou o taberneiro para pagar imediatamente. O “criminoso” não dispunha desse dinheiro nem o ganharia no mercado. Precisava de fazer muitos mercados. Sem sentimentos humanos, o riscado levou-lhe o filho para a esquadra (sita na zona da misericórdia velha) como uma caução, que só foi levantada quando um grupo de amigos lhe emprestou o dinheiro para pagar a injusta coima.
Com a 4ª classe, o nosso jovem seguiu para Castelo Branco. De ajudante de taberneiro foi para empregado numa Loja de Tecidos – A Minha Loja-, na Rua D. Dinis, na Zona Medieval. Encantou-o a cidade, em especial a irreverência estudantil e os desfiles militares – uma banda militar percorria amiúde as ruas da cidade.
Ao fim de um ano, seguiu para a Capital do Império, onde desempenhou a função de marçano no Celeiro do Povo, em Alcântara. Iniciou aí um curso superior de vida, deslocando-se de madrugada no Elétrico 20 – o transporte dos operários-, para o Mercado da Ribeira, onde carregava frutas e hortaliças. Durante o dia entregava ao domicílio mercearias e afins. Por vezes também partilhava com as criadas alguns desejos, acabando por saborear alguma fruta proibida.
Como os telefones escasseavam, um companheiro açoriano (empregado de seguros) ia ao Celeiro do Povo, que beneficiava de telefone, para conversar com a mãe que vivia nos Açores. Esta comunicação só era possível porque o marçano a permitia. Como prémio por essa gentileza, o açoriano começou a ensinar-lhe inglês, disciplina que acrescentava aos seus conhecimentos no Curso Comercial Nocturno e na Escola Ferreira Borges.
Dado o seu voluntarismo e bom trabalho de marçano, o patrão dava-lhe de vez em quando uma gratificação suplementar, o que lhe permitia ver alguns filmes no Cine Arte em Santos ou na Promotora em Alcântara.
Aos dezoito anos, pediu autorização aos pais e alistou-se voluntariamente na Força Aérea, sendo aprovado nas provas realizadas. Durante quatro anos, vestiu a farda azul como Cabo Especialista Mecânico, dando apoio logístico na Ilha do Sal em Cabo Verde, mas também, por pequenos períodos, em Bissalanca, no Aeroporto Militar da Guiné Bissau. Além da beleza feminina das jovens cabo-verdianas, encantava-se com as mornas e coladeras. Em Bissau viu de perto os aviões militares, antes de estes estarem envolvidos a sério na Guerra do Ultramar.
Cansado da farda militar, concorreu para os Tribunais e, no final de um estágio judicial e provas prestadas, entrou ao serviço no Tribunal de Idanha-a-Nova, onde trabalhou com o ex-Procurador Geral da República Dr. Pinto Monteiro. Não muito tempo depois, já no Tribunal Judicial do Fundão, conheceu também uma figura importante da magistratura portuguesa. Falo do então Delegado do Ministério Público, o Dr. Laborinho Lúcio.
Organizava jogos de futebol e a equipa do Tribunal do Fundão deu luta a muitas equipas das povoações vizinhas: Alcaide, Souto da Casa, Aldeia de Joanes e outras.
A folha de vencimento de um funcionário judicial, comparada por exemplo com a de um bancário, era menos de metade. Resolveu sair para uma instituição bancária e trocar a tábua das leis pela roleta dos números. Laborinho Lúcio ainda o avisou de que melhores tempos viriam, pedindo-lhe para não sair de “ um céu para se meter no inferno do mundo dos dinheiros ”, mas a sua decisão estava tomada. Ainda se arrependeu, mas já era tarde demais…
Concorreu assim para a carreira bancária e foi admitido, exercendo funções inicialmente na sede do banco, na Rua do Ouro em Lisboa, onde contactou com toda a administração e direção. Missão bancária consistia na elaboração das remessas com o estrangeiro, exportações e importações. Esteve para abandonar…mas ao fim de uns dias estava integrado naqueles esquemas bancários.
Ao fim de três anos, regressou às origens. No princípio, encontrou um ambiente de trabalho bom, uma gerência compreensiva e tolerante. Infelizmente, com a substituição dessa gerência, tudo se alterou completamente e surgiram atitudes autoritárias, antissociais, desumanas e intolerantes.
Mal se reuniram as condições, saiu dessa odisseia bancária, para em “ liberdade “ se dedicar à construção civil, mais tarde ao negócio de vinhos, azeite, enchidos, queijos, presuntos e cerejas, levando estes produtos de excelência do Fundão e da Cova da Beira a muitas partes de Portugal.
O Homem da rama do castanheiro, do Souto da Casa (Fundão), foi aprendiz de taberneiro, empregado numa loja de tecidos, marçano, cabo da força área, funcionário judicial, bancário, construtor civil e vendedor. É meu companheiro agrícola sazonal e amigo com o nome de Juvenal Castanheira, casado com uma sua conterrânea, que lhe deu dois filhos, uma santa mulher e esposa, não fossem as origens familiares de progenitor com o nome de santinho. No caso da filha, filha de santinho… santinha.
Gente de garra, de luta, da Rama do Castanheiro. Gentes do Souto da Casa (Fundão).
GENTES, que há CENTO E VINTE E CINCO ANOS, libertaram de uma grande, poderosa e prepotente casa latifundiária, os baldios e terras de cultivo, que pertenciam ao POVO DO SOUTO DA CASA.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Fevereiro/2015