UM AVÔ TRISTE…

Estamos num dos últimos dias do ano, em que muitos se preparam para passar o tão falado réveillon: uma minoria goza à grande e à francesa, não se sabe qual a origem dos proventos; e a grande maioria está na rua, provalvelmente na do Comércio, mas também nos Aliados, na Devesa, na República, no Bocage, no D. Sancho ou na ruela do lar. Muitos também estão trabalhando, como oiço em sotaque brasileiro.

Ao som da música natalícia, numa rodoviária deste país repleta de passageiros, encontra-se sempre alguém conhecido enquanto se espera pelo autocarro que leva à capital.

Em ambas as criaturas há a mesma preocupação: ir ao encontro de familiares para passar o fim de ano junto deles. Verifico, sem necessidade de recorrer aos conhecimentos de psicologia, que o meu conhecido tem necessidade de falar, de desabafar, de ser ouvido.

Na confusão de autocarros e passageiros, calhou ficarmos sentados ao lado um do outro. O destino tem destas coisas…

Nada melhor para cativar e alimentar uma conversa do que falar das pessoas que nos são próximas.  

Informa-me: “Sabe que a sua esposa foi minha catequista. Aprendi muito com ela. Se todas as catequistas ensinassem como ela, as nossas igrejas estariam repletas de crianças. Ela tinha uma vocação especial para ensinar, para lidar, que envolvia os catequizados e as famílias. Facilitava a sociabilização dos catequizados, dava-nos uma responsabilidade consciente para com a nossa comunidade e sociedade.”

É reconfortante, passados anos, alguém reconhecer o trabalho voluntário, do qual veio a beneficiar e não se esqueceu.

Durante quase três horas de viagem, o meu companheiro de viagem desabafa e estou sempre atento e pronto a intervir quando acho lógico e oportuno.

Na bagagem, além de uma pequena mala, traz um grande embrulho, que ajudo a aconchegar no autocarro. Diz-me: “é uma cadeirinha de madeira para o meu neto. Sempre que vinha a minha casa era o seu encanto, era onde gostava de se sentar à lareira. Pela primeira vez não pode vir passar o Natal com os avós, uma terrível doença, uma leucemia, impediu-o de se juntar a nós…”

As palavras surgem como espinhos em rosas. Há uns meses, com a doença do neto de tenra idade, este Homem iniciou uma via-sacra.

De umas manchas negras no corpo, analisadas no hospital pediátrico, diagnosticaram-lhe uma leucemia. Ficaram horrorizados e daquele hospital seguiu numa ambulância, com médico e enfermeira, para uma instituição oncológica, onde faz quimioterapia.

Na sua opinião, os serviços de enfermagem, os médicos e os psicólogos têm ajudado muito a família envolvida numa situação clínica nunca esperada.

No seu desespero o nosso Homem desabafa: “já não acredito em Deus, perdi a minha Fé.” Infelizmente não encontrou conforto nem palavras de esperança na comunidade cristã…

A viagem aproxima-se do fim. Admiro a sua firmeza, o seu carácter, o seu amor e carinho para com um neto e compreendo o sua falta de Fé.

Agradece-me por tê-lo ouvido e, num abraço fraterno, desejamos um novo ano com mais saúde e o “milagre” da reabilitação do seu amado neto.

A viagem passa a correr…

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2019