UM HERÓI NA DOENÇA

“ As dores ligeiras exprimem-se; as grandes dores são mudas.”

Séneca

No início de 1955 nasceu em Ferreira do Alentejo. Os seus pais tinham uma taberna, onde não entravam mulheres nem menores de idade. Vendiam vinho, adquirido aos produtores locais, e sandes de passarinhos, apanhados no campo pelos próprios propietários. Daí saía um precário sustento para a família, enquanto já se davam os primeiros passos na debandada para o estrangeiro e para a Região de Setúbal, onde facilmente se conseguia um trabalho. Uns vizinhos amigos, residentes na Cidade do Sado, entusiasmaram-nos a preparar as malas e rumar para a “cidade do futuro”. Assim fizeram em 1962, com malas e bagagens fixaram residência no Bairro Operário da Azeda de Cima, ainda em construção, na zona periférica da cidade, hoje uma zona mista de cosmopolitismo e gente reformada.

O pai foi trabalhar para uma Fábrica de Gelo – A Xaroca –, e mais tarde aventurou-se na indústria automóvel, passando pela Hanomag e Ima. É bom recordar que naqueles tempos Setúbal tinha cinco grandes empresas no fabrico de automóveis. Hoje não tem nenhuma.

A mãe trabalhou a dias em diversas casas ricas da cidade, o que lhe possibilitou colocar o filho na Empresa Socel, depois de uns anos na frequência da Escola Industrial e Comercial.

Findos uns anos nessa Empresa de Celuloses, e aproveitando os seus grandes conhecimentos de informática, propuseram-lhe um lugar na Renault Portuguesa. Fez os testes e classificou-se em primeiro lugar. Esperava obviamente trabalhar nessa empresa, quando soube que um administrador francês colocara uma amante no seu lugar. Esta atitude traz-me à memória outros franceses- Pierres e Charles-, donos de algumas empresas conserveiras setubalenses, que saciavam os seus vícios carnais em muitas trabalhadoras, engravidando-as e não assumindo as suas responsabilidades. O que lhes sobrava em dinheiro, faltava-lhes em vergonha e dignidade. As trezentas páginas do livro “ As Mulheres da Fonte Nova” da autora Alice Brito descrevem muito bem esses homens sem carácter ou princípios.

O nosso Zé Filipe sentiu-se injustiçado e revoltado, mas havia que caminhar noutras direções, lutar pela vida.

Como uma desgraça não vem só, viu-se divorciado com uma filha nos braços, tendo de assumir o duplo papel de pai e mãe.

Após um período de biscatos e de uma vida social afastada de folgas económicas, conseguiu ir trabalhar para uma empresa de transportes, que distribuía diversos produtos para todo o País e Europa. Cavalgou assim milhares de quilómetros sobre rodas. Reconstruiu a vida e parte da felicidade.

Muitas vezes me deu boleia para Setúbal e fomos dois companheiros de viagem. Mas, infelizemente, a estrada da vida é bastante acidentada e há três anos surgiu-lhe uma doença muito grave, silenciosa, inesperada e enigmática. Começou uma autêntica odisseia. Nas mãos corajosas de uma grande equipa de urologistas e cirurgiões foi operado com êxito. Diz-me, no entanto, que “ a operação mais parecia uma autópsia e a barriga ficou pior que o símbolo da mercedes”. Mas o mal continuou tempos depois… As metástases aumentaram como cogumelos em terrenos húmidos. Vieram de novo as estadias em longos corredores, antecâmaras de uma morte anunciada, sessões de diversas horas de quimioterapia e infindáveis exames.

Está a travar o maior combate da sua vida, uma luta sem tréguas contra um maldito cancro. Como venceu tantas contrariedades, tantas injustiças e hipocrisias, assim irá ganhar esta batalha. Força Amigo Zé Filipe!

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Julho/2013