UMA BODA CASEIRA

Recebi o convite dos pais da noiva. Esclareceram logo: “ vamos fazer uma boda caseira, com o epicentro na mesa da Eucaristia.” Na Igreja Matriz iniciou-se a cerimónia religiosa. Há muito que não ouvia estas palavras, que esta mensagem não me chegava. Fiquei satisfeito e veio-me ao pensamento os muitos casamentos caseiros que nas décadas de sessenta e setenta do século passado se faziam nas nossas aldeias, em casa, nos espaços rurais, em garagens, com todos os familiares envolvidos no trabalho da festa conjugal.

Com a minha pontualidade britânica, esperei meia hora pela chegada dos noivos. Junto à Igreja, num vaivém permanente, um jovem adulto vestido de alba branca espreitava para o exterior. Disse-me que era mestre-de-cerimónias, acólito e ministro da comunhão. Deu instruções, os convidados do noivo para o lado direito, os da noiva para a esquerda. Lá segui para a esquerda, ficando na companhia do Santo Condestável, protegido de qualquer sopro castelhano, e do meu santo patrono, Santo António de Lisboa. Tinham como companhia uma imagem de uma santa virgem, que me ensinaram ser a Santa Zita.

O celebrante, em voz forte ampliada pela sonorização moderna, salientou que a construção de uma família assenta em quatro pilares: a paciência que tem de ser cultivada reciprocamente, a misericórdia, o perdão e a fidelidade.

Num espaço rural, agradável aos familiares, surgiu o almoço, com muitos produtos locais, frutos do seu esforço e da terra mãe.

Todos se sentiram num ambiente fora do vulgar. Havia proximidade, cumprimentos afectuosos, conversas engraçadas. Não houve pressas, nem atmosferas pré-fabricadas. Foi tudo natural, até os alimentos.

Depois dos aperitivos, vi três filas de mesas sem lugares oxigenados e marcados, que findavam nas mesas dos noivos e familiares mais próximos.

Durante algumas horas, conversou-se sobre tudo. Entre os convidados, havia alguns ex-desportistas, de bancada e não só, e alguns dirigentes. A fome da “bola” nem à mesa de um casamento é saciada.

Um dos convidados queixou-se do árbitro num desafio passado há anos.  A equipa adversária marcou um golo e o árbitro do meio do campo anulou-o, apesar do bandeirinha o validar. Surgiram muitos protestos e perguntaram ao juiz como poderia ter visto o fora-de-jogo. Respondeu-lhes de imediato que “estes dois olhos, que a terra há-de comer, vêem a trezentos metros os tomates de um mosquito.” Noutro jogo de futebol, em que o árbitro era um pintor da construção civil, um jogador protestou e o juiz exibiu-lhe o cartão amarelo, dizendo-lhe:” toma lá meia trincha!”. O jogador ripostou: “o senhor não é grande pintor! “. Ação pronta do juiz: mostra-lhe o cartão vermelho e atira-lhe: “toma lá com a trincha completa!”

Houve baile, mas não vi jovens como no meu tempo, quando disputavam palmo a palmo  as meninas para dançar. Agora dançam umas com as outras, enquanto os jovens encostam a barriga ao balcão e bebem umas loirinhas.

 Com quase todos os convidados presentes, dirigi-me para a mesa dos frios, já quase começava o novo dia, sinal de que o ambiente campestre agradava a todos. Mais iguarias regionais, destacando-se o talento gastronómico dos familiares dos noivos. Lembrei-me de uma das minhas máximas favoritas: “ cozinhar é amar.”

Era novo dia, lá longe viam-se as silhuetas dos cumes da Serra da Gardunha, banhados pela  luminosidade lunar. Ali próximo, sem se incomodar com os visitantes, um rouxinol cantava de olhos fechados as suas melodias noturnas.

Regressei às minhas paragens, feliz por ter participado e vivido uma boda caseira, e depois de ter desejado as maiores felicidades aos noivos e de lhes ter lembrado aquele pensamento de Santo Agostinho: “ a medida do amor é amar sem medida.”

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Julho/2013