UMA PEREGRINAÇÃO AOS DETENTORES DA PRÁTICA

No âmbito do Seminário Final do Curso de “E – Learning”, relativo ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, deslocaram-se ao Museu de Etnologia em Lisboa, debaixo de uma chuva intensa, Paulo Fernando Rodrigues Silveira (Secretário da Junta de Freguesia dos Três Povos), Luís Marques Fernandes (Pastor, Tosquiador e um sábio da prática da pastorícia), Pedro Silveira (agente cultural) e o signatário.

No programa de encerramento dos trabalhos, além de intervenientes de diversas localidades do país, destacou-se a participação de Paulo Silveira, autarca dos Três Povos (Fundão), que felicitou a direção do Museu pela defesa do património e revitalização de um espaço museológico ligado à temática da pastorícia numa comunidade rural da Beira Interior. Salientou que é preciso refletir, compreender e selecionar elementos da cultura popular para os valorizar como bens imateriais; que é necessário proteger os últimos artesãos, as tradições e vivências da vida camponesa que, na verdade, “ainda dão sentido à ruralidade e aos sentimentos identitários, resistindo à uniformidade urbana da globalização”; fez referências aos fundamentos jurídicos da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO; chamou a atenção para o Núcleo Museológico da sua freguesia “onde intervêm as chamadas forças vivas da comunidade”; lembrou a Festa da Tosquia e citou uma frase do Prof. Joaquim de Brito: “as normas de inventário podem também ser formas de inventar a ação dos museus.”

Durante a tarde, visitámos as Galerias da Vida Rural, acompanhados por Paulo Costa, Diretor do Museu, que fez uma resenha histórica do local, mencionando que há mais de quarenta mil peças antigas do mundo rural, milhares de filmes, fotografias, entre outras recolhas e registos.

Chegados ao espaço do pastoreio, Pedro Silveira, agente cultural pastoril, explicou aos presentes que o dia da tosquia é uma festa, um grande convívio, com uma gastronomia muito própria – ensopado de borrego.

Salientou a residência de muitos cristãos novos, que às sextas-feiras não realizavam qualquer trabalho pastoril, principalmente o da tosquia.

 Havia alguns rituais religiosos interessantes. Se por acidente ou menor atenção, algum dos animais sofria um ferimento na tosquia, era logo sarado com uma porção de cinza, a sobra da Quarta-Feira de Cinzas, misturada com azeite e um pó de cortiça queimada. De resto, ferir uma ovelha era uma falta de brio profissional.

Referiu que nos dias de ontem, como nos de hoje, a pastorícia na Freguesia dos Três Povos é uma atividade familiar, com grande significado na economia local e, sobretudo, uma forma de inter-ajuda comunitária. “Estão a fazer-se esforços para a comercialização da lã como outrora, e não se desperdiçar esta matéria-prima que chegou a alimentar a imensa indústria dos lanifícios da Covilhã”.

Um dos decanos da pastorícia portuguesa, natural dos Três Povos, com a jovem idade de 84 anos, Luís Marques Fernandes, exemplificou as técnicas da tosquia, de maneira a não magoar o animal, em local limpo – no campo, no bardo ou num curral. As “tosquias” aconteciam nos fins de Maio e nos inícios de Junho, lembrando que as ovelhas não podiam apanhar sol durante os primeiros dias. Alongou os seus conhecimentos sobre as técnicas do fabrico artesanal do queijo, não esquecendo que quem mexe nos coalhos, deve fazê-lo sempre com as mãos frias.

Referiu-se às choças, aos tetos pastoris, que eram pequenos abrigos onde se refugiava e descansava o pastor. Tinham uma estrutura própria e eram cobertos de palha, colocada de forma a não deixar entrar a chuva. Eram o habitat do pastor no campo.

Também explicou a simbologia de muitos objetos afetos à pastorícia: os colares de ferro colocados no pescoço dos cães, que os protegiam de uma eventual mordidela de lobo, ou o trabalho artesanal das chavetas, em madeira de amieiro por ser mais fácil de desenhar e cortar. Estas eram o cartão de cidadão do pastor.

Para perpetuar a memória dos pastores dos Três Povos, não se partiu daquele local sem a entrega ao Diretor do Museu de três peças antigas do decano dos pastores – uma tesoura de tosquia, umas apernadeiras e uma afiadeira.

Um dia chuvoso acabou por um dia muito feliz. Foi bom regressar, através da memória, às minhas origens rurais, relembrando os guardiões da natureza.

A cidadania só se atinge na sua plenitude quando todos se responsabilizarem na valorização e na promoção da sua cultura.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2016