VI – Domingo da Páscoa

“Faremos nele a nossa morada”

 

            Quem ama Jesus, precisamente porque O ama, guarda, observa, cumpre a sua palavra. Primeiro vem o amor. Depois, como consequência e sinal desse amor, segue-se o viver segundo a palavra de Jesus. Quem O ama, confia na sua palavra, adere ao projecto do Reino, procura viver em sintonia com a sua vontade. Mas qual é a palavra de Jesus? É o seu Evangelho, a Boa Nova do Reino, é Ele mesmo, a Palavra de Deus que se fez homem (Jo 1,14). Mais em concreto: Jesus sintetiza a sua palavra – a palavra que cumprem aqueles que O amam – no mandamento novo do amor.

            No longo discurso de despedida que Jesus faz durante a última Ceia, no qual diz aos apóstolos aquilo que Ele considera mais importante e que eles devem reter melhor, apresenta uma nova formulação do mandamento do amor: “que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13,34). Quem acolhe em si o amor de Jesus e se deixa transformar por esse amor divino, esse é capaz e tem o dever de amar com a mesma intensidade com que Ele o ama. Quem ama os outros como Jesus ama está a guardar, ou melhor, a viver a sua palavra. Quem ama assim cumpre plenamente a Lei, os mandamentos, a palavra de Deus.

            Sim, aquele que ama Jesus e guarda as suas palavras, ama e faz também a vontade do Pai. O próprio Jesus esclarece: “a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou”. Deus é fonte da palavra e do amor que, através de Jesus, chegam à vida dos homens. Consequentemente, quem adere a Jesus e vive em comunhão com Ele, esse vive, necessária e simultaneamente, em comunhão com o Pai e é amado por Ele.

            “Faremos nele a nossa morada”. Deus é amor e onde existe o amor, aí habita Deus. Por isso mesmo, quando encontra um coração disponível, a família divina estabelece aí a sua morada. O homem, que criou à sua imagem e semelhança (Gen 1,26) e que quase fez dele um ser divino (Sl 8,6), é a morada preferida de Deus. O homem é o templo que Deus “construiu” para habitar na terra. Um templo muito mais à altura da grandeza de Deus do que aqueles construídos pelas mãos dos homens, ainda que sejam esplendorosas e ricas catedrais. Deus sente-se mais a seu gosto no coração dos homens, sobretudo daqueles que ninguém olha e ama, do que na basílica de São Pedro do Vaticano! Nunca veremos Jesus a bater à porta de uma igreja pedindo aí abrigo, embora esteja realmente presente no sacrário de muitas delas. Encontraremos Jesus, isso sim, a bater à nossa porta, à porta do coração de cada homem, desejoso de entrar na nossa vida e de cear connosco (Ap 3,20).

            Seria bom determo-nos a contemplar longamente este mistério do amor de Deus: Deus criou o homem para um dia habitar com Ele no Céu, usufruindo plena e eternamente do seu amor. Mas enquanto vive na terra, Deus, porque não consegue viver sem o homem, vem habitar com ele, vem fazer nele a sua morada!

            Jesus tem consciência de que o que está a dizer aos apóstolos não é de fácil compreensão. Sozinhos, só com as suas capacidades humanas, não conseguirão atingir a alma, a verdade das suas palavras. O Espírito Santo acompanhará os apóstolos e ajudá-los-á a entender o que Jesus lhes disse. Só com a luz e a força deste mesmo Espírito conseguiremos entender e cumprir a nova proposta do amor fraterno. Só graças a Ele poderemos contemplar, penetrar no mistério, deslumbrar-nos com a presença de Deus na nossa vida.

            “Faremos nele a nossa morada”. Deus está sempre à espreita a ver se lhe abrimos a nossa porta e O convidamos a entrar e a permanecer connosco. Deus deseja entrar, mas não se faz convidado à força. O Baptismo fez de nós templos de Deus. Mas não esqueçamos: Deus só habita e se sente à vontade onde existe amor, um amor fraterno efectivo. Ora, se tu excluis alguém do teu amor, Deus sente-se excluído da tua vida, apercebe-se que não tem lugar no teu coração. Pode dar-se o caso que até andes na igreja e que sejas muito participativo e colaborante, que até consigas aí algum sucesso, evidenciando as tuas qualidades e “habilidades”. Porém, se não amas, se não perdoas, se não te reconcilias com quem te ofendeu ou tu ofendeste, acabas por expulsar e obrigar Deus a viver longe de ti. Pensa bem: andas nas coisas da igreja e não queres Deus dentro de ti! Então, dás a impressão que andas na igreja para roubares a glória de Cristo, como lembrava recentemente o Papa Francisco. Acolhe Deus e deixa que seja Ele a recompensar-te com o seu amor infinito.

Pe. José Manuel Martins de Almeida

Imagem: Capela de Campo do último ACANAC do CNE