VINDIMAS

Estão a decorrer as vindimas na Cova da Beira. Este ano, por razões climatéricas, os prejuízos dos vinicultores são imensos. É necessário fazer-se uma escolha seletiva e não há braços para vindimar, muito menos para essa seleção. Quem trabalha o campo sabe os riscos que corre, os prejuízos que lhe advêm de tantas horas dedicadas à natureza, que nem sempre é mãe, muitas vezes madrasta. Quem também está triste com esta situação são os deuses Baco e Dionísio.

As vindimas destes tempos já não são as da minha infância, de tempos passados. Eram muito diferentes.

Uns dias antes, começava-se a limpar pipas, tonéis, dornas, cestos e cestas de vime, lagariças, estas propriedade de agricultores abastados. Tinha de se colocar o sebo nos recipientes de madeira que recolhiam e armazenavam o vinho.

Na Zona Arraiana a vindima era feita por permuta de uma agricultura familiar. Na Cova da Beira, com grandes vinhedos, contratavam-se ranchos de homens e mulheres, trabalhado de sol a sol.

Os vinhateiros recebiam mais que as mulheres e ainda tinham direito a um litro de vinho diário.

Elas cortavam as uvas e os homens carregavam com os cestos para a dorna colocada em cima de um carro de bois, que a transportavam para locais cimeiros, para as adegas particulares, ou para despejo em lagariças.

Dois homens através de um esforço suplementar, manualmente esmagavam-nas através de um instrumento de madeira, chamado o cirandão.

Mais tarde com a fundação da Adega Regional do Fundão, os maiores produtores de uvas iniciaram o transporte em carros de bois para aquela instituição corporativa.

No entanto, muitos continuaram a fazer vinho em adegas particulares, alguns com métodos não regulamentares, sem prejuízo para a saúde, deitavam-lhe sal ou maças, principalmente malápios, que nos nossos dias é qualidade em vias de extinção.

Quando a vindima era de um dia, a dona da vinha dava o almoço, mas quando era obra para muitos dias, os trabalhadores tinham de levar a merenda. Só no final da vindima realizava o almoço de confraternização com muita alegria e vinho à mistura.

As uvas eram de boas castas, bastardo, bastardinho espanhol, marouco, rufe te, moscatel roxo e branco, chace-la…. Com esta casta fazia-se, o único vinho a nível nacional, na Zona do Fundão.

Com a filoxera muitos agricultores em terrenos húmidos e junto a ribeiras e regatos, plantaram as videiras morangueiras, de cujas uvas aromáticas, obtinha-se o vinho americano, o vinho protetor, (interessante este nome), o chamado vinho de portinhola. Devia-se beber muito fresco e dos engaços das uvas, com as alambicadas, obtinha-se uma belíssima aguardente. Todo este cultivo, por força da lei, foi proibido, em tempos que as leis não abundavam em recursos.

As vindimas na Cova da Beira era um ritual de afetos, de alegrias, de cantares ao desafio, de namoricos…

Em Aldeia de Joanes (Fundão), ainda há quem se lembre das vindimas na Quinta das Tílias de Armado Carneiro, nas Quintas da Nave de Cima e Nave de Baixo do Silveira, mais tarde de Hermínia Alves Nogueira e do Senhor Cruz.

O vinho só era trasfegado em fevereiro, embora no São Martinho já se retirava alguma quantidade, para festejar o Santo e também nos festejos do Natal.

Apesar desta atividade agrícola ser difícil, trabalhava-se a brincar e a cantar. Hoje vindima-se a falar nos futebóis, na justiça ou falta dela, nos roubos de armas de guerra…

Tenho saudades das vindimas da minha aldeia, nunca mais aconteceram, já não há vinhas, nem braços para colher uvas.

Depois da assistência no território das vindimas, passo para o palco do Octógono, FAB LAB do Fundão, para assistir à Peça SAAL, histórias das salinas e dos salineiros da Figueira da Foz, que junta artistas profissionais e amadores num espetáculo de dança-teatro.

Trabalho árduo, com pés e mãos, com o corpo envolto em água e sal, que reivindicam melhores salários, melhores condições de trabalho, não à construção de casa clandestinas, à destruição das salinas, sim a PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE DO SAL MARINHO DA FIGUEIRA DA FOZ.

Admirável viagem poética a um mundo das salinas e dos salineiros, homens e mulheres que com força física, trabalhavam no sal, com o sol a pino.

Quem assistiu ao cultural espetáculo recebeu um pacote de Sal da Figueira da Foz e pipocas das freiras de Montemor-o-Velho.

A regressar a casa, vejo braços na preparação do circuito velocipédico, GRANFONDO DAS ALDEIA DO XISTO, ação desportiva que envolveu mais de um milhar de profissionais. Fundão, Cidade da Cultura, do Desporto e das Vindimas.

Ao fechar esta cónica uma má notícia de Trás-os-Montes, o falecimento da Juta Saldanha, que partiu para a eterna vindima do Senhor. Assídua leitura dos meus pobres escritos, comentadora, já não lê esta minha crónica. JUTA, descansa em PAZ.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Outubro/2018

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