Aquela gente, que não acredita em Jesus, são os seus próprios conterrâneos de Nazaré. Num primeiro momento, ficam admirados com a sabedoria de Jesus e com os seus prodigiosos milagres. Os milagres e a sabedoria de Jesus revelam e apontam para algo de extraordinário. No entanto, eles não conseguem ver em Jesus nada mais que o cidadão comum (o carpinteiro) e o parente de cidadãos igualmente comuns (o filho de Maria, irmão de Tiago, de José…).
Ouviram a pregação de Jesus e até gostaram do modo como falava. Viram os seus milagres e ficaram impressionados com o que fazia. Porém, não se deixaram tocar pela verdade e pelo amor de Deus que Ele lhes revelava e testemunhava por meio das suas palavras e obras. Por conseguinte, não acreditaram em Jesus, não captaram a sua verdadeira identidade, não O reconheceram nem O acolheram como enviado de Deus.
Apesar de darem conta que havia algo de invulgar e de humanamente inexplicável em Jesus, prisioneiros das suas crenças antigas e da inveja que amesquinha o coração, não se abriram ao dom de Deus, recusando-se a acreditar n’Ele.
“Estava admirado com a falta de fé daquela gente”. Jesus sentiu-se com a rejeição dos seus concidadãos. E exprimiu a sua mágoa e estranheza, inspirando-se num adágio popular: “um profeta só é desprezado na sua terra …”. Dói mais, quando aqueles que rejeitam e desprezam são “os da terra… os parentes… os de casa”.
Tendo presente a sorte dos profetas, é legítimo questionar a validade do provérbio, pois ele não diz toda a verdade. O problema em relação aos profetas não está tanto na terra, mas sim no ser ou não verdadeiro profeta.
O verdadeiro profeta, aquele que proclama fielmente a palavra de Deus, corre o risco de ser rejeitado e incomodado em qualquer terra e não apenas na sua. De facto, Jesus foi mal acolhido em muitas outras terras! Contrariamente aos falsos profetas, o verdadeiro profeta, aquele que foi efectivamente chamado e enviado por Deus, não acomoda a sua pregação aos interesses e aos gostos dos ouvintes. Pelo contrário, sente sempre como seu dever transmitir a mensagem que lhe é comunicada por Deus, agrade ou não aos seus destinatários.
A palavra que os profetas anunciam é portadora da verdade e do amor de Deus. Uma verdade que manifesta os sonhos e os projectos de Deus relativos ao mundo e à vida dos homens. Uma verdade que põe de manifesto e denuncia o que na vida dos homens e na sociedade se opõe e contradiz esses desígnios de Deus. E um amor que pretende motivar os homens e os povos a arrepiarem caminho, a mudarem de orientação e de perspectiva, a converterem a mente e o coração a Deus. A dificuldade está precisamente aqui. Custa sempre aceitar a verdade, reconhecer os nossos erros, mudar a vida, vencer a dureza da nossa cabeça e do nosso coração.
O sucesso de Jesus foi sempre limitado em toda a parte, como testemunham largamente os relatos evangélicos. Jesus, o Profeta por excelência, situa-se, como não podia ser de outro modo, na linha dos verdadeiros profetas. Jesus tem o coração cheio de amor, um coração manso e humilde, e tem a missão de manifestar aos homens o amor misericordioso de Deus. Este amor e esta missão, contrariamente ao que muitos podiam pensar ou ainda pensam hoje, impele-O a ser directo e frontal no anúncio da Boa Nova do Reino, jamais escamoteando as suas mais radicais exigências. Jesus nunca cede à tentação do populismo, de provocar aplausos fáceis e elogios estéreis. O amor leva-O a ser autêntico, verdadeiro e exigente, sem deixar de ser compreensivo com os que erram.
“Estava admirado com a falta de fé daquela gente”. Jesus já se tinha admirado com a pouca fé dos apóstolos. Hoje, também não faltam os cristãos, mesmo entre aqueles que têm a missão de garantir a fidelidade de todos a Cristo, que se escandalizam com a verdade do Evangelho, condenam aqueles que a proclamam e recusam a renovação que o mesmo Evangelho reclama.
São mais aclamados aqueles que, como os falsos profetas, calam ou acomodam a verdade ao interesse dos ouvintes ou do poder instituído (do Estado e da Igreja). Mas esses não se sentem, seguramente, mais realizados nem mais felizes. E não podem sentir, porque são infiéis à sua missão.

Pe. José Manuel Martins de Almeida

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