“Pela fé, Abraão …”

            O autor da carta aos Hebreus, a partir do exemplo de Abraão, convida-nos e ajuda-nos a reflectir e a viver a fé. Na verdade, o testemunho do Patriarca, justamente considerado o pai de todos os crentes, ajuda-nos a entender a realidade da fé, o seu alcance, as suas exigências, o modo como vivê-la no nosso existir quotidiano.

            Deus aparece e revela-se a Abraão. Este pôde sentir a sua presença, ouvir a sua voz, experimentar o seu amor. Impressionou-o o facto de Deus se interessar pessoalmente por ele, de querer precisar dele, e deixou-se seduzir pelas suas promessas. Esta experiência, particularmente intensa, foi suficiente para Abraão reconhecer e aceitar Deus, para aderir ao projecto que lhe propõe, para lhe confiar totalmente a sua vida.

              “… obedeceu ao chamamento e partiu”. Abraão deixa a sua terra, a sua família e as suas crenças, disposto a viver numa terra nova e desconhecida, a dar origem a uma nova família e a seguir um novo Deus (o Deus que acaba de conhecer). Pela fé, Abraão abandona as certezas e as seguranças do passado e enfrenta os desafios do futuro, entregando-se, com entusiasmo e com audácia, ao projecto de Deus.

            Quem acredita no verdadeiro Deus não pode viver preso ao passado. Deus é o Deus do futuro. Ele tem sempre algo mais a dizer e a sugerir ao homem. A verdade de Deus é inesgotável bem como inesgotáveis são os desígnios de Deus em relação à humanidade. Ele tem sempre algo mais para oferecer e para surpreender o homem, para que a sua vida seja sempre dinâmica e criativa. Acreditar implica, portanto, caminhar sempre em frente e olhar o futuro, sem recear os riscos do desconhecido e sem temer as contínuas surpresas de Deus!

             “…morou como estrangeiro na terra prometida”. Mesmo na terra que Deus lhe prometeu, Abraão habita em tendas, vivendo como peregrino e estrangeiro. Acreditar implica também renunciar às seguranças humanas do presente. O homem deve descobrir e assumir que a sua vida não se esgota no presente deste mundo nem a recompensa de Deus se limita ao hoje da sua vida.

            O homem vive nesta terra e nesta terra tem uma missão a cumprir, para que a terra se transforme no mundo feliz que Deus quer para todos os homens. No entanto, o homem que acredita sabe que a sua pátria definitiva, a cidade de que Deus “é arquitecto e construtor”, está no Céu e é para ela que caminha, olhando-a como meta e recompensa última da sua vida.

             “…ofereceu o seu filho único”. Acreditar em Deus comporta renunciar também às seguranças humanas do futuro. Predispondo-se a oferecer o seu filho único a Deus, Abraão está a romper com o seu futuro. Na verdade, naquele tempo recuado da história humana e da revelação divina, o filho era a garantia do sustento do pai na sua velhice e da sobrevivência do seu nome após a morte.

            Com este gesto, Abraão reconhece e manifesta que toda a sua vida depende de Deus e a Ele pertence. Porém, o verdadeiro Deus não é um Deus caprichoso e arbitrário, não é um Deus que brinque com a vida do homem, que se divirta com o sofrimento dos homens. Pelo contrário, é um Deus que considera sagrada e inviolável a vida do homem. Nem mesmo um deus, muito menos o verdadeiro Deus, pode pôr em causa essa santidade e esse valor da vida humana! Deus não quis, não podia querer, sem correr o risco de se negar a si mesmo, que Abraão lhe sacrificasse o seu filho. Pelo contrário, o que Deus quis ensinar é que nem mesmo em nome de Deus é legítimo sacrificar vidas humanas.

            Apoiado na sua fé, Abraão parte, peregrina e obedece. E a sua fé fortalece-se, porque Deus continua a aparecer-lhe e a dialogar com ele. O verdadeiro Deus é um Deus admiravelmente próximo. Em certa medida, Deus peregrina com Abraão, mostrando-se particularmente comprometido no sucesso da sua vida e missão. Deste modo, Abraão avança e supera as suas dúvidas e provações.

            Continuando a partir, a peregrinar e a obedecer, Abraão cresce na fé e na confiança em Deus; aumenta a sua certeza em relação àquelas realidades que ainda não vê; e, igualmente, aumenta a garantia de que irá possuir os bens prometidos por Deus.

Padre José Manuel Martins de Almeida