“…e dado a um povo que produza os seus frutos”

No domingo passado, Jesus, num tom manifestamente provocador, diz aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo que os publicanos e as mulheres de má vida os precederão no Reino de Deus. Hoje, com a mesma frontalidade, diz-lhes que o Reino de Deus lhes será tirado e dado a outro povo. No seio do povo e em relação a Jesus, aqueles que eram considerados e tratados como pecadores públicos mostraram-se mais receptivos do que os seus chefes. Por sua vez, os povos pagãos, equiparados aos pecadores, vão acolher melhor o Reino de Deus do que o povo judeu.
Inspirando-se no Cântico da Vinha de Isaías (primeira leitura), Jesus, através da parábola dos vinhateiros homicidas, apresenta uma síntese da história de Israel.
Como o proprietário em relação à vinha, Deus faz tudo o que havia a fazer em favor do povo de Israel: escolhe-o de entre todos os outros povos e faz dele o seu próprio povo; promete-lhe e prepara-lhe uma terra onde habitar; liberta-o da escravidão do Egipto e estabelece com ele uma aliança no Sinai; ao longo de toda a sua história e de muitos modos, Deus revela-lhe os seus desígnios, aponta-lhe o caminho a seguir e manifesta-lhe o seu amor.
A esta solicitude de Deus, o povo responde com múltiplas infidelidades. Como os vinhateiros se recusaram a prestar contas ao seu senhor e maltrataram os seus servos, tendo mesmo matado o seu único filho, assim também o povo judeu rejeitou e perseguiu até à morte os enviados de Deus: os profetas e o próprio Filho.
Na verdade, através dos profetas, Deus fala ao povo, recorda-lhe os seus compromissos, denuncia as suas infidelidades à aliança e convida-o à conversão. Deus não fecha os olhos nem pactua com a maldade do homem. Deus, porque ama de verdade os homens, propõe-lhes o caminho da verdade e do bem, o caminho do direito e da justiça, o caminho do arrependimento e da conversão.
Os homens nem sempre reagem bem a estas propostas de Deus. Preferem um Deus que se adapta aos gostos e às conveniências dos homens. Estes, com muita dificuldade, conseguem ver o amor de Deus nas exigências e propostas de vida que Ele lhes faz. Aceitam mais facilmente a mentira da palavra dos falsos profetas do que a verdade da palavra de Deus.
Por isso mesmo, eles desacreditam, perseguem e eliminam os profetas, para que Deus não faça mais ouvir a sua voz e, por conseguinte, não os perturbe nem os incomode com a sua palavra. O que eles, na realidade, pretendem é fazer calar Deus, não lhe reconhecendo direito nem autoridade para se intrometer nas suas vidas.
Deus, porque ama de verdade o povo, não desiste do seu propósito de o salvar. Este propósito leva Deus a enviar o seu Filho ao mundo. Jesus é “o argumento” mais poderoso de Deus para esclarecer e convencer os homens. É também o último e definitivo. Deus pensou consigo: vão respeitar o meu Filho, vão dar crédito à sua palavra, vão converter-se a mim. Mas Deus enganou-se!
Na verdade, Jesus não foi suficientemente convincente para muitos judeus, sobretudo para os responsáveis do povo. Estes não reconheceram Jesus como o enviado de Deus, muito menos como seu Filho. Menos ainda aderiram ao reino de Deus que Ele lhes propunha. Tal como os seus antepassados procederam com os profetas, eles rejeitaram Jesus e deram-lhe a morte.
Rejeitaram Jesus, mas não puderam impedir que Ele salvasse a humanidade. Com efeito, Aquele Jesus, que eles condenaram à morte (a pedra que os construtores rejeitaram), tornou-se causa de salvação (a pedra angular) para quantos nele acreditam, dando origem a um novo povo de Deus.
Alguns homens podem recusar a verdade de Deus mas não podem impedir que outros O conheçam com verdade; podem teimosamente permanecer na dureza do seu coração, mas não podem impedir que outros se convertam a Ele de todo o coração; podem recusar as normas morais do Evangelho, mas não podem impedir que outros vivam de acordo com elas; podem ser insensíveis ao amor de Deus, mas não podem impedir que outros se maravilhem com ele. Numa palavra, podem não aceitar a oferta do Reino, mas não podem impedir que Deus o ofereça a outras pessoas e a outros povos.

Por: Pe. José Manuel Martins de Almeida