O CARMO E A TRINDADE

Em Lisboa, na Zona do Bairro Alto, foram muitas as vezes que fiz a pé o itinerário histórico que liga o Carmo à Trindade.

No Convento do Carmo, já tive oportunidade de entrar na sala que recebeu as balas no dia 25 de Abril e de visitar as Ruínas da última residência do Santo Condestável – D. Nuno Álvares Pereira.

Quanto à Cervejaria Trindade, que já vai nos cento e oitenta e três anos de idade, quase dois séculos, costumava passar à porta mas via tanta gente aperaltada, engravatada e endinheirada, que desistia logo de entrar.  

No entanto, andava no meu pensamento a vontade de ali entrar para conhecer a sua história e há tempos aproveitei uma hora sem movimento para o fazer. Sempre gostei de conhecer espaços culturais, religiosos ou gastronómicos.

Entrei e encontrei logo alguém que se disponibilizou para ser o meu cicerone. Levou-me a percorrer todo aquele espaço e a visitar as partes mais antigas do restaurante. À entrada chamou-me a atenção para observar com atenção os azulejos da fachada do edifício, na Rua Nova da Trindade. Conduzido de seguida para os interiores, continuei a deparar-me com muitos azulejos, a maior parte com simbologia da maçonaria.

Explicou-me que em 1834, um industrial, um maçónico galego de nome Manuel Moreira Garcia, mandou encher as paredes com inúmeros símbolos daquela associação secreta.

Este industrial comprou as Ruínas do Convento da Trindade e instalou ali uma Fábrica de Cerveja, tendo tanto êxito que quis ampliar as instalações.

Quando me falou no Convento, pedi-lhe para me explicar essa história. Assim, a Cervejaria Trindade fazia parte do Convento da Santíssima Trindade. Há indicações de que a Rainha Santa Isabel se empenhou imenso na sua construção. Ali nasceu a Ordem da Santíssima Trindade, com a grande missão de resgatar os cativos.

O Convento da Trindade em 1704 foi parcialmente destruído por um incêndio e, quando estava a ser recuperado, sofreu nova contrariedade, em 1 de Novembro de 1755, com o trágico Terramoto de Lisboa.

Em 1834, com a extinção das Ordens Religiosas, sofreu a machadada final, ficando abandonado, de portas abertas, sujeito a todas as pilhagens e destruição. Ainda hoje verificamos em monumentos nacionais a mesma índole de destruição. Não aprendemos com a nefasta destruição do passado.

A expulsão das Ordens Religiosas foi, de resto, uma das tragédias do nosso país, patrocinada pelos governantes da época, mais uma pintura negra na nossa História. Podemos afirmar que caiu o Carmo e a Trindade.

No refeitório do ex-Convento lá temos os azulejos de cor azul com as estações do ano, tendo como fundo mais simbologias maçónicas.

Em 1940, o arquitecto Francisco Keil do Amaral e a sua mulher deram um ambiente mais confortável e grandiosidade à Cervejaria da Trindade.

Mais tarde, o filho ofereceu a Cervejaria Trindade aos empregados. Mas como eram muitos a mandar, o negócio caiu na ruína.

A Misericórdia de Lisboa comprou o edifício e vendeu-o à Central de Cervejas, que já era dona da Portugália, na zona da Estefânia.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2019