A candeia do teu corpo são os teus olhos.(11,34)
O homem fica iluminado e ilumina pelo que vê (cf.Lc 8,16 e 11,33-36). Deus é Luz: (Is 60,19); (Sl 27,1); a sua palavra é Luz: (Sl 119,105); Pr 6,23). Jesus é lâmpada (Ap 21,23). Quem cumpre os mandamentos e a justiça torna-se luz (Is 58,6-10) para todas as nações (Is 42,6-7). O imperativo: “que a luz que há em ti não seja escuridão” (11,35), convida-nos a escutar a palavra de Deus e a pô-la em prática (cf. 11,28). Jesus apresenta-se como o “sinal de Jonas”. Em 11,33-36 convida-nos a ver claro, a vê-lo com enviado de Deus. Ver bem é ter fé.
Os olhos são comparados a uma lâmpada. Se estiver limpa e sã dá para ver, se estiver opaca, todo o corpo fica nas trevas. Como o povo, podemos ser “uma geração má” que não vê o Sinal e está a pedir mais sinais (11,29ss). Examinemos a luz que há em nós, se é um “olho simples” e puro ou um “olho perverso” e mau que nos leva à incredulidade e nos mergulha nas trevas do erro e da desesperança. Jesus é o Messias, a luz que nos visita como sol nascente (1,78-79). Nem todos se dão conta desta luz no sinal dum menino envolto em panos (2,12). Em Belém só os pastores O puderam ver, em Jerusalém só dois idosos O reconheceram: Simeão e Ana.
Simeão é justo e piedoso. Espera a vinda do Messias e é conduzido pelo Espírito. Só os que têm o coração puro podem ver a Deus. Simeão é um profeta que aprendeu a escutar a voz do Espírito e acreditar nas suas moções (2,28-32). Uns vão acolher Jesus como luz e salvação, outros fechar-se e rejeita-lo. Para estes é obstáculo no qual tropeçam: 7,23, 12,51-53; 20,17-18.
Ana, mulher idosa, consagrada a Deus, não se afasta do Templo, segundo o ideal do israelita perfeito (Sl 23,6; 26,8; 27,4; 84,5.11). Dedica-se ao jejum e oração. Sete anos casada na santidade e beleza do seu casamento. 84 anos viúva (7X12), simbolizando o Israel fiel, que profetiza até à idade avançada, num crescendo de santidade e de fidelidade ao seu Senhor (2,36-38). Também ela estava habituava a escutar as moções do Espírito e acertou com a hora de Deus – “Aparecendo nessa mesma ocasião” (2,38). Enquanto Simeão fala apenas para os pais de Jesus, Ana fala para todos os que vêm ao Templo e esperam a salvação, porque Jesus é para todos.
A vocação sacerdotal é chamada a ser sacramento do Bom Pastor, que aponta para uma alegria sustentável, para uma liberdade sem caprichos nem dependências, uma santidade humilde e em permanente conversão. É isso, que vejo em mim? “É na vossa Luz que vemos a luz” (Sl 36,10) como vejo, com olhar simples e puro ou “perverso” e mundano?
A fé nasce do testemunho daqueles que viram (testemunhas oculares”) e se tornaram ouvintes e anunciadores da Palavra (“Servidores da Palavra”) (1,5-2,52). Alguns modelos para ver e escutar Deus.
Zacarias (1,5-25). Durante o exercício das suas funções sacerdotais, aparece-lhe o anjo Gabriel. Vê-o e fica perturbado, cheio de temor. Vê e ouve, mas não acredita no que ouve (1,20). Olha para a velhice do casal (1,18). Conta apenas consigo mesmo e as suas forças. Por isso, fica mudo até que a palavra da promessa aconteça e a profecia se realize. Ao sair do Santuário comunicava apenas por sinais, mas o povo compreendeu.
Maria (1,26-38). O mesmo Anjo aparece a Maria na sua casa de Nazaré. Não se refere que Maria viu o anjo, ela escuta a sua voz de saudação e de graça. Perturba-se e sem falar, interroga-se sobre o significado dessa saudação que a faz tão bela e importante aos olhos de Deus. O Anjo devolve-lhe paz, pois foi escolhida para ser a mãe do Filho do Altíssimo. Será obra de Deus e do Espírito Santo e, por isso, o menino será Santo, chamado Filho de Deus. (1,35). O anjo reforça a ação de Deus nela, como virgem, por meio da ação do próprio Deus dos impossíveis na sua prima Isabel, como estéril. Maria acredita na sua Palavra de anúncio e promessa e responde com fé: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» (1,38). Maria concebeu primeiro na fé e no coração e só depois no seu seio (S. Agostinho). Maria, logo a seguir, corre veloz a visitar a sua prima Isabel. Como o anjo, entra saúda Isabel. Isabel ouve a saudação e sente o menino a saltar-lhe de alegria no seio e fica cheia do Espírito. Sabe interpretar a alegria do filho e a voz do Espírito e ver na sua prima a Mãe do seu Senhor. E considera-a feliz porque vive da fé (1,45). Estas mulheres entendem-se e alegram-se, sem necessitarem de muitas palavras nem explicações. Deixam o Espírito falar, a alegria saltar, a hospitalidade amar, a graça de Deus maravilhar-se.
José: Não se fala do seu drama (cf. Mt 1,18-25). Aceita Maria como esposa, vai com ela para Belém recensear-se, apoia-a quando dá à luz (1,16), aceita a paternidade do Filho de Deus, cumprindo todos os preceitos da Lei (2,21-24), é piedoso e leva-O ao Santuário (2,41-50). Jesus é conhecido como “filho de José” (4,22; 3,23). Vive da fé, faz-se servo de Deus, apoio de Maria e cuidador de Jesus. A sua vida, silenciosa e fiel, testemunha a confiança total em Deus, e o esvaziamento de si mesmo, numa abertura à novidade de Deus na história da salvação.
Resumindo: Zacarias, recorda-nos o perigo de continuarmos a rezar e a servir o Templo, mas já não acreditarmos no Deus dos impossíveis e contarmos apenas com as nossas forças. Maria desafia-nos a passar um cheque em branco a Deus com o seu Sim incondicional (1,28). A entregar o leme da nossa vida e abrir as velas ao sopro do Espírito, mesmo não entendo tudo, confiando que um dia Deus vai ligar os pontos que agora não fazem sentido. Isabel desafia-nos a ser fecundos mesmo na velhice, a ver a partir das provas de amor que Deus já deu. José desafia-nos a escutar mais do que a falar, a caminhar sem se exaltar, nem se martirizar com questões de honra ou ciúmes de afetos. A servir no silêncio do “servo inútil” que se alegra por fazer o que devia fazer.
Com que modelo me identifico? Em que aspetos devo crescer para me tornar “testemunha ocular”?
J. Augusto, svd