O Senhor olhou para a humildade da sua serva (1,48)
Ninguém pode enganar a Deus, pois Ele não olha para o que nós queremos mostrar, mas vê o que somos na verdade mais profunda e secreta do nosso coração (16,14-15). Para Deus o que é mais importante não é o parecer, representar, ter, mas o ser, praticar e viver em cada dia a fé e a obediência à Palavra, não para mostrar aos outros mas por seguimento convencido de Jesus. O que é elevado para os homens é abominável para os olhos de Deus.
Maria diz que Deus olhou para a sua humildade e foi nela que encontrou o lugar ideal para fazer nascer o Seu filho. Humildade não é complexo de inferioridade, nem sentimento de timidez, achando-nos sempre menos que os outros. Este é uma deficiência de autoestima que paralisa, angustia, torna a pessoa infeliz e descontente com a sua sorte. Humilde, etimologicamente, é a pessoa que está sobre a terra (“humus, humilis”), com os pés no chão. Sabe olhar-se a si mesmo, as coisas e os outros como são de facto e não como sonharia. Humilde é aquele que, olhando para si mesmo, não tem medo de ser quem é, e sabe discernir aquilo em que pode mudar e em que se deve converter, mas também sabe aceitar aquilo que é, a sua história e o seu presente que não pode mudar. Humildade conjuga-se com verdade, valores do ser, aceitação e valorização do que se é, sentir-se amado e acolhido como é, confiar no Deus das promessas. Maria é o exemplo da pessoa humilde que esconde no seu mistério um tesouro agradável e dócil a Deus. Deus pode fazer maravilhas e revelar-se no que é humilde, pois está vazia de si mesma. Deus realiza maravilhas porque Ela se deixar conduzir pelo Espírito que a fecunda com a sua sombra.
Colocar o olhar na humildade da sua Serva é agir com o coração misericordioso próprio de Deus e que se foi manifestando de geração em geração, na história de salvação. É o amor que faz o outro ser grande aos olhos de quem ama. Maria sente-se grande na sua pequenez de criatura, aos olhos dum Criador que a engrandece.
Deus não olha para a soberba (1,51), nem para a riqueza (1,52) mas para os humildes e pobres (1,52-53), porque são eles que veem a Deus a partir de baixo, podem “erguer os olhos”, e abrir-se à graça de Deus. Por isso, as bem-aventuranças apontam os pobres, os famintos, os que choram, os perseguidos como os que alcançarão o Reino de Deus e malditos os ricos, os que estão cheios de tudo, os que riem, os que ninguém critica porque não passam de falsos profetas e felicidades a termo (6,20-26).
Na parábola do fariseu e do cobrador de impostos em oração (18,9-14), Jesus diz que há “alguns que confiavam muito em si mesmos, tendo-se por justos e desprezando os demais”. Ou seja, veem Deus e os outros a partir de cima, da sua auto-confiança e soberba. Acham que não precisam de Deus, pois se consideram justos e até merecedores de méritos. Desprezam os outros, porque os acham inferiores e desprezíveis. A sua posição orante manifesta isso mesmo: reza de pé e à frente, louvando-se pelo que é e faz, dizendo mal dos outros, condenando-os e julgando-os como perdidos. O cobrador de impostos mantém-se à distância, de cabeça baixa, bate no peito, reconhece que é pecador e pede piedade de Deus. A humildade fê-lo reconhecer-se pecador, abrir-se à misericórdia de Deus e a confiar no seu perdão. Quem se humilha será exaltado, quem se exalta será humilhado. A Deus olha-se a partir da menoridade. Quem toma a atitude das crianças, fazendo-se pequeno, torna-se grandes aos olhos de Deus (9,46-48). Para acolher a novidade de Deus é preciso ser simples e não julgar-se sábio (10,21). Quem faz o que deve, não se deve sentir-se orgulhoso nem superior aos outros, mas com humildade dizer: Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer (17,7-10). É a alegria do que sempre se sente irmão e servo de Deus.
Mas a humildade deve viver-se também nas relações sociais. Na forma como procuramos o lugar nos banquetes, os primeiros lugares, como nos comportamos no trabalho pastoral, na comunidade, na sociedade… (14,7-11) A humildade é uma forma de estar na vida que engrandece os outros e humaniza a relação. É deixar que sejam os outros a avaliarem a nossa amizade, e a julgar-nos importantes no serviço e na sociedade.
Jesus olha para Pedro muitas vezes, mas terá sido na hora da paixão, a seguir à traição de Pedro que este olhar foi mais importante para Pedro (22,61-62). Jesus olha a partir do amigo traído, da prisão injusta, do sofrimento não merecido, do tratamento desumano. É um olhar humilde e cheio de misericórdia e de perdão. Pedro, que antes se achava preparado para seguir Jesus até à morte (22,33), adormece quando lhe pede para vigiar (22,45), usa de violência quando tinha aprendido a ser manso (22,49-51), foge com os outros quando Jesus é preso, trai o Mestre afirmando não o conhecer e cai em si quando o galo canta (22,54-60). Não podia estar mais humilhado, mais triste consigo mesmo, com vontade de desaparecer e morrer. Lucas é o único evangelista que refere que Jesus fixou o olhar nos olhos de Pedro. É um olhar que recorda que Ele rogou por Pedro para não perdesse a fé (22,31-32)
Maria é uma pessoa humilde por opção, Pedro torna-se humilde pela dor do realismo do pecado e da traição. Em ambos os casos esta humildade é olhada por Deus como boa nova da graça de Deus. Esta é a única forma ver Jesus e ver a Deus, é vê-lo a partir de baixo, da condição de criatura e serva de Javé, numa atitude de gratidão, sabendo que o que se é não é mérito próprio, mas fruto da graça de Deus.
Como vivo a virtude da humildade na relação com Deus, com os colegas, com os paroquianos, na sociedade? Aproveito as humilhações, os fracassos e o pecado para ser mais humilde, mais fraterno, mais compreensivo com os outros? Sinto-me magoado quando não me elogiam após ter feito o que devia fazer?