O MEU VALE VERDE

É o primeiro sábado de Novembro, que surge chuvoso. Abençoada chuva, que permite a um voluntário apanhador de azeitona para a talha, assistir a um evento cultural: “Interioridades – a palavra e o pensamento”, a decorrer em Vale D´Urso, uma iniciativa do Jornal do Fundão com o apoio da Câmara Municipal do Fundão e da Junta de Freguesia do Souto da Casa.

No pequeno percurso, é gratificante percorrer a paisagem envolvente de uma vegetação outonal única, embelezada com as flores brancas dos medronheiros e com os ouriços dos castanheiros abertos, a sorrirem para os transeuntes.

As intervenções decorrem na Capela de Nossa Senhora das Preces, uma obra construída pela fé, esforço, trabalho e dinâmica daquelas gentes. Um lugar sagrado muito acolhedor, com as paredes revestidas de azulejos, dignos de ser observados. Ao ouvir o som do Grupo dos Bombos do Souto da Casa e o Grupo de Cantares Ponto e Linha, a Senhora das Preces com o Menino ao colo deve ter ficado muito feliz.

O Padre Américo da Encarnação Vaz, com conhecimentos históricos profundos, que nasceu nesta localidade, dá uma lição sobre a sua pátria mãe. Segundo transmissão oral da sua avó, as gentes dos locais limítrofes andavam muito assustadas porque abundavam por ali umas alimárias que matavam pessoas, até havia quem afirmasse ter encontrado os restos humanos de dois casais atacados. Além das mortes, também impediam o cultivo das terras, destruindo culturas nos terrenos agrícolas conquistados à encosta da serra com muita coragem e trabalho. Pensa-se que estes animais ferozes são o antecedente do javali de hoje. Daí a origem do Vale D’Urso. Os lamentos chegaram a Rei D. Luís I. Além de diversas medidas, autorizou a construção da atual estrada nacional nº 352, que fazia a aproximação entre as populações e rasgava o seu isolamento. Provavelmente também por aquelas bandas se refugiaram alguns judeus perseguidos pela Inquisição. Uma certeza, as gentes de Vale D’ Urso juntaram-se com as do Souto da Casa nas lutas pela conquista das terras do Carvalhal.

David Caetano, Presidente dos Caminheiros da Gardunha, esclarece que as primeiras referências escritas estão nas Memórias Paroquiais de 1758, que chamam Chão Cordeiro a uma légua do Souto da Casa, e que o atual nome está relacionado com a fauna, ao urso pardo, outrora um habitante assíduo da Serra da Gardunha.

A anfitriã, Presidente da Junta de Freguesia do Souto da Casa, Maria das Dores Ladeira, alerta para o declínio demográfico dos territórios no interior.

O diretor do “Jornal do Fundão”, Nuno Francisco refere que é um desafio para o qual devem contar as experiências, visões e saberes.

O Coordenador Adjunto da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, João Paulo Catarino, numa longa dissertação, e utilizando uma linguagem futebolística, diz que está na hora de reconhecer que o Litoral e o Interior não jogam na mesma divisão, pelo que se devem criar regras e medidas que permitam o Interior subir à Primeira Divisão. Deu a conhecer algumas das cento e sessenta e quatro medidas que foram aprovadas pelo Governo, para valorização do Interior.

O Presidente da Câmara Municipal do Fundão, Paulo Fernandes, mostra-se preocupado. O amplo consenso entre autarcas e municípios, relativamente ao estatuto para territórios de baixa densidade populacional, foi chumbado no Parlamento, pelo que teme que muitas medidas inscritas no projeto não se concretizem.

Maria Antonieta Garcia, sociólogo e professora universitária, propõe a criação de um roteiro turístico de locais perdidos e de património religioso.

Pedro Salvado, historiador e diretor do Museu do Fundão, afirma que sem a criação de emprego não acontece a regeneração demográfica.

Rui Simão, Coordenador Executivo das Aldeias do Xisto, fala da Rede das Aldeias do Xisto, cujo projeto assenta na atração de pessoas, bens, afetos, capital humano, investimentos e competências.

Num amplo debate, são discutidos assuntos como a regionalização, os incêndios, os transportes, a ruralidade, a gastronomia regional.

Já a tarde vai adiantada quando abandono esse local paradisíaco, na esperança de que a Senhora das Preces remeta para o seu divino Filho tudo o que ouviu. Sem esta não há quem nos valha…Dizem que Interioridade rima com Oportunidade.

Ao findar este texto, chega-me a notícia da morte de um HOMEM, que na sociedade portuguesa, foi um intransigente defensor e lutador dos valores da justiça sociai, humana., da liberdade. Alfredo Bruto da Costa, HOMEM de fé, de serviço, de caridade, ouvi que, “ a pobreza é um problema politico e a exclusão social é um problema de liberdade e dignidade.”

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Novembro/2016

15355096119_711f896c71_z (2)