COisOlhando o mundo à nossa volta podemos descortinar a subtil efervescência, que brota do coração do Homem, suscitada pela ausência de Deus.
Na actualidade, o ser humano encontra-se descentrado do fundamento da sua existência – a Felicidade – pois ao longo dos últimos tempos foi assaltado por um sem número de vivências e experiências, que aparentemente defendiam a conquista dessa Felicidade, mas cujo resultado se fixou demasiadamente distante dessa espectativa amplamente cobiçada.
Diante desta desagradável evidência, urge, na mente de todos aqueles que não querem ficar encerrados num vicioso círculo de mau estar, uma questão profunda e, talvez, prática: que fazer? Todavia, somos constantemente inclinados pela sociedade, à qual pertencemos e da qual não podemos, nem devemos, fugir, para uma apatia que simplesmente grita: “estamos em crise!”. Mas será essa a única solução ao nosso alcance?
Sempre acreditei na extraordinária bondade e capacidade do ser humano, manifestadas primorosamente nos momentos mais difíceis. Podem chamar-me ingénuo enquanto defensor desta opinião, não me importo. O que me importa e fere é ver adormecer capacidades e dons e não deixar que estas se desenvolvam nem disponibilizem diante do bem comum.
E tudo isto porquê? Simplesmente, porque deixamos de escutar a nossa consciência e coração, onde estão latentes a bondade e a possibilidade de um futuro melhor, para transformarmo-nos em competentes espectadores passivos do que se passa à nossa volta, quais Narcisos que se deixam inebriar pela “beleza” do seu reflexo na água, ou experientes “treinadores de bancada” lançando palavras de ordem para o recinto de jogo, mas incapazes de prestar qualquer contribuição para o desenlace do desafio, quando para isso somos convocados.
Por outo lado, mas não menos importante para uma séria imagem do que somos, a nossa sociedade foi progressivamente assumindo a dimensão i: carregando os nossos i-pods, i-phones e i-pads, gastando horas a navegar na internet, participando nos canais interactivos da Meo e Zon. O certo é que todo este novo mundo i, que cresce à nossa volta e enche o espaço que nos envolve, não é capaz de satisfazer os anseios mais profundos do nosso coração. Somos possuidores de coisas, mas, ao mesmo tempo, vazios de sentido, sempre insatisfeitos, ansiosos, nervosos, procurando sempre e mais o que acaba por não ser resposta para a inquietude do nosso coração.
É assim a nossa vida e é assim que olhando o mundo à nossa volta podemos descortinar a subtil efervescência, que brota do coração do Homem, suscitada pela ausência de Deus.
O ser humano quis apagar a referência de Deus das páginas da sua vida, assumindo essa atitude como condição imprescindível para a conquista da Felicidade na sua existência. Porém, a Sua Palavra enquanto expressão de Amor e acolhimento, floresce na vida do Homem como manifestação da existência e presença do Autor e Fonte da autêntica Felicidade.
A nossa vida sente, então, uma preciosa provocação, não no sentido de desafio negativo, mas enquanto somos carinhosamente despertados diante (pro) do chamar (vocare) concretizado por Deus.
A solução torna-se radical, não pelo fundamentalismo assumido, isso seria sinal de pouca ou nenhuma inteligência, mas porque conduz ao desígnio original, à raiz, de todo o plano salvífico que Deus reservou para a humanidade, que propõe a quem o deseja o compromisso de seguir esse Deus que veio até nós e Se revelou como um Deus Amor mediante o acto de incomparável radicalidade mediante a entrega de Seu Filho ao fazer do Seu Corpo e da cruz uma só realidade. É verdade, que esta entrega continua a ser loucura e escândalo para muitos, pois vêm apenas o lado da aparência, sem se importarem com o sentido e eficácia de tão grande dom.
Como sacerdote sinto-me incitado quotidianamente a transmitir essa voz, Palavra, de Deus pela minha vida e pelo ministério que alegremente exerço. Mas essa missão não pode, nem deve, ser assumida unicamente pelos ministros ordenados ou pelas pessoas consagradas, é missão a ser partilhada e concretizada por todos os baptizados, de tal maneira que esta atitude seja um primeiro passo a tomar na resolução da questão: que fazer?, para se quebrar o terrível círculo vicioso traçado na vida humana.
Uma provocação radical não é um caminho, é o caminho se estivermos dispostos a abraçar a plena satisfação e a autentica Felicidade.
Padre Miguel Peixoto