O DINHEIRO E OS NÚMEROS
Nunca foi muito dado a contas nem ligado ao Senhor Dinheiro. No entanto, sempre que lidou com contabilidade teve sempre cuidado, verificava sempre se tudo estava em ordem e na legalidade, nada de assinar cheques em branco, ou contas esquisitas. O meu saudoso Pai dizia e o meu Irmão Ezequiel repete a mesma frase: “em dinheiro sagrado é preciso ter muito cuidado.”
Na sua aldeia, naqueles tempos, o Senhor Dinheiro era escasso. O País vivia ainda os reflexos da II Guerra Mundial e a Guerra Civil Espanhola. Assim, trocava-se uma galinha por um coelho, batatas por laranjas, umas castanhas por figos secos ou nozes.
Até no campo havia intercâmbio nos trabalhos rurais. Hoje o Tio Zé trabalhava para o Tio António, amanhã era o inverso. Até nos animais de tracção acontecia a mesma coisa. Assim, não estava muito virado para contas. Estas faziam-se de memória.
Os taberneiros e os comerciantes, esses sim, tinham de contar os magros tostões, ou apontar no rol as dívidas dos seus conterrâneos, até que estes vendessem as quase dadas colheitas do centeio, milho, feijão, batatas, tripas para os enchidos, sal e outros géneros. Nos comércios vendia-se arroz, açúcar (este racionado), massas, sabão, panelas de ferro, utensílios para a agricultura, enxofre, adubos, calda bordalesa e outras quinquilharias.
Havia muitas mortes infantis e em conterrâneos ainda novos, por falta de assistência médica e medicamentos e vacinas. Dois ou três carpinteiros faziam as urnas o melhor possível: urnas com tábuas dos pinheiros dos familiares dos defuntos.
Na Escola Primária, não era dado aos números, tinha de pedir ajuda ao Zé da Tia Adelina, na Rua do Canto, perto do Chafariz da Relva. E lá saiam bem as contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir. As contas pareciam-me labirintos, onde nunca se encontrava o caminho.
Safei-me no Exame da 4ªClasse com distinção, uma proeza que não estava ao alcance de cada um. Era muito bom aluno a português, redigia muito bem, história e geografia. Sabia bem o programa, a História dos Reis de Portugal, outros acontecimentos históricos, e os rios e linhas de caminho-de-ferro, entre outros conhecimentos.
Éramos vinte cinco alunos e alunas, e chegados ao Campo dos Fiéis de Deus, era tradição cada aluno deitar um foguete. Faltou um, era o meu. Tinha reprovado, era mentira. Quando pedi dinheiro ao meu saudoso Pai para um foguete, a sua resposta foi autoritária e firme: “mal há dinheiro para comer, quanto mais essa porcaria”. O meu progenitor odiava esses estrondos.
Nas festas e procissões da minha aldeia eram arrematados todos andores de todos os santinhos e santinhas. Era o momento de por duas vezes, uma à saída da igreja paroquial, outra na Praça, os nossos conterrâneos e muitos emigrantes mostrarem quem tinha dinheiro, para levar às costas os santos. Quem desse mais tinha esse privilégio, além de as pregas de suas santidades irem enfeitadas com notas de Santo António, Pedro Álvares Cabral e de outros navegadores, cronistas e escritores.
Na minha vida profissional lidei sempre com números, mas joguei sempre à defesa e muitas vezes ao ataque. Sem a assinatura dos responsáveis, e documentos comprovativos, a minha assinatura não avançava. Tive algumas incompreensões, mas saí sempre de cara lavada, enquanto outros a sujaram, e tiveram a justiça à perna.
Segundo o cantor e compositor Tó Zé Brito, “o dinheiro é que manda, nenhuma canção pode mandar no mundo.”
Também o saudoso e amigo Bispo Emérito de Setúbal, Dom Manuel, no Livro “Nascemos Livres”, tem três textos sobre o Senhor Dinheiro: “O Dinheiro, esse instrumento tão importante, tão necessário, tão útil, tem andado sempre no Banco dos Réus. A causa dos maiores males do mundo chama-se Dinheiro…” As pessoas valem mais que todo o dinheiro do mundo.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Fevereiro/2018