RECORDAR O MEU SAUDOSO PAI
Dia 19 de Março de cada ano é, de uma forma muito especial, dedicado aos nossos Pais.
Hoje lembro-me de ti, meu saudoso Pai. Na tua cédula pessoal foste registado José Maria Fernandes Monteiro e, mais tarde, não gostando do apelido “Monteiro”, escolheste ser Fernandes.
O teu primeiro nome tem origem na versão hebraica Yosef, e do latim losephus, significa aquele que acrescenta. No meio do teu nome tens a palavra Maria, a nossa Mãe. Tiveste sempre duas Marias ao teu lado, a Maria da Piedade Alves Lavajo Martinho; e a outra, mais antiga, a Mãe do Redentor.
Nasceste na Bismula, nos tempos régios de D. Carlos: viste cair a Monarquia, nascer e cair a 1ª República, nascer e cair o Estado Novo, nascer a Democracia.
Fizeste os exames primários em Vilar Maior (Sabugal). Tinhas uma caligrafia invejável, que nenhum filho herdou, apenas o teu sobrinho que tem o teu nome.
Foste pastor e fazias lindos brinquedos de madeira, versos e pinturas à tua conterrânea Célia Martins Salgueira, que dedicou uma vida nas Irmãs Hospitaleiras de S. Bento Menni, em França, apoiando feridos e soldados fragilizados.
Partiste para o País Basco e encontraste um regime monárquico dirigido pelo Rei Afonso XIII. Antes de chegar a Guerra Civil a Espanha, regressaste a Portugal. Quando ter Fé passou a ser delito, por pouco não foste vítima dos republicanos, que mataram muitos dos teus companheiros e incendiaram tantos templos.
Na década de quarenta do século passado, foste empregado de escritório numa empresa alfacinha. Eras dotado de uma grande cultura e religiosidade.
Em 1944 regressaste à Bismula, a fim de abraçares a tua Mãe, o teu coração falou mais alto, foi um erro que celebro.
Na Bismula foste agricultor, professor, tesoureiro e secretário da Irmandade de S. Sebastião, colaborador do Padre Ezequiel Marcos e do teu Irmão António Fernandes na regedoria, ensaiador e actor de Teatro. Eras admirado pela maioria dos teus conterrâneos. Como tinhas muito valor, havia alguns que não gostavam, prova de que eras um Homem vertical e não dobravas a espinha dorsal.
Choraste quando viste a tua filhinha e minha irmã, Maria dos Anjos Fernandes, amortalhada num bercinho branco da cozinha, parecia um anjo da corte celeste. Ainda hoje me vem à memória essa cena. Percorremos juntos a Cerdeira do Côa, Alfaiates… mas não conseguimos salvá-la.
Um dia verificaste que ali não havia futuro, nem para ti, nem para os teus oito filhos, e emigraste para Setúbal.
Adaptaste-te rapidamente à vida citadina, ao contrário da nossa Mãe… Durante um ano, em regime de substituição, desempenhaste as funções de sacristão na Igreja de Santa Maria da Graça, hoje a Catedral da Diocese de Setúbal.
Estiveste desempregado vários meses, foi um drama familiar. Voltaste a pegar na enxada e foste trabalhar para a Quinta da Várzea, propriedade da Junta de Colonização Interna, na Estrada dos Ciprestes, em Setúbal.
Passados uns meses, estavas na Socel, na Mitrena – Zona Industrial de Setúbal -, onde durante muitos anos foste operário, o operário mais velho que se reformou desse empresa do fabrico de papel. Ali foste sempre respeitado e admirado.
A vida é um romance de eternidades que duram instantes ou de instantes que duram eternidades.
Obrigado, meu saudoso Pai, por me teres ensinado a resistir quando temos os pés na lama, por me teres ensinado a ouvir os rouxinóis ou a comparar o cantar preguiçoso das cigarras aos carreiros de trabalho das formigas.
Cumpriste a tua nobre missão para comigo e de ti recebi uma Herança Moral que me acompanhará até ao fim. Eternamente grato, o teu filho.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
19 de Março/2018