Há anos que não percorria este território: “no curso do Rio Zêzere, este local é dos mais bonitos” – são as palavras do Joaquim Lourenço, emigrante, alfaiate e residente em Porto de Vacas (Pampilhosa da Serra).
No segundo Sábado de Agosto, com a presença de todo o Povo, inaugurou-se um longo Parque Fluvial e o restauro de uma Barca. Esta não transportava “o diabo”, mas pessoas e animais de um lado para o outro do rio.
3 de Fevereiro de 1970: o Barqueiro Eduardo Joaquim Almeida, a troco de um golo de aguardente, de uma mortalha de cigarros e de um óbolo, conduzia a Barca com duas senhoras piedosas, que iriam participar na Missa em Janeiro de Baixo. As impetuosas águas do Rio causaram duas mortes, a do Barqueiro, que morreu debaixo da sua Barca, e a de uma senhora, que apareceu mais tarde junto à praia fluvial da freguesia.
Contra as forças da natureza, ninguém resiste. As águas ainda neste Inverno chegaram ao tabuleiro da Ponte, uma das raras obras sem placa de autarca; é do Povo que a construiu, que deu o corpo às balas no ano de 1977, com o apoio logístico da Engenharia Militar.
Em homenagem ao Barqueiro Eduardo Joaquim de Almeida, foi descerrada uma lápide em Pedra de Xisto: “Eduardo Joaquim de Almeida – 20/11/1913 – 3/2/1970. A todos os Barqueiros deste Povo, especialmente ao Ti Eduardo, que na madrugada de 3/2/1970 saiu deste Porto, para não mais voltar. Uma história de humildade, de coragem, de dedicação para com este Povo, que muito lhe deve, e que, por gratidão, aqui enaltecida.” (Comissão de Melhoramentos de Porto de Vacas em 12/8/2018).
O edil da Pampilhosa da Serra frisou que nos sentimos felizes e realizados quando se concretiza algo: “Estas gentes aprenderam a defender o seu Património, num esforço colectivo, numa relação estreita com o Rio Zêzere. Esta democracia directa enriquece e faz crescer as populações, o inverso fá-las pequenas. A união faz força, faz mover barcas e recuperar espaços ao serviço de todos. Muito do que se faz não é contabilizado em dinheiro, mas sim em bairrismo, dedicação, esforço, trabalho de populações unidas a pensar no bem comum”.
O Jovem Presidente da Comissão de Melhoramentos de Porto de Vacas também vai dando passos importantes no progresso e inovação: “Hoje todos querem os assuntos resolvidos no imediato, mas é impossível. Até o fruto das árvores tem os seus ciclos”.
Salientou que alguns Barqueiros deram a vida no transporte de pessoas e bens. Homens de coragem, que atravessavam o Rio para levar um Outro à outra margem: “É necessário voltar às origens e partilhar”.
Percorre-se os trilhos do Parque Fluvial, espaço para todas as idades, saboreia-se a sombra dos freixos, sabugueiros, amieiros, carvalhos, oliveiras centenárias, salgueiros, muros com pedras de Xisto, na horizontal e na vertical, ornamentados pelos ramos de videiras morangueiras. Lembrei-me do Poema de Francisco Amaro, dedicado a Eugénio de Andrade: “A maçã /Prenhe da Luz/Explodia/A sombra dos salgueiros já tecia eternidade.”
No Rio vemos flores roxas, trepadeiras brancas, peixes prateados entre a água e o sol. Vemos juncos, que há anos os jovens ceifavam para enfeitar as ruas e, assim, receber o Cristo Ressuscitado na Páscoa das Aleluias.
Chegamos à Azenha e aos Moinhos. Segundo José Almeida Antão, a Azenha já existia desde 1902 e os Moinhos já estavam a moer milho e outros cereais em 1782.
Inscrito um Bem-Haja a todos aqueles que cederam terrenos, que sendo seus de direito, se tornaram num lugar de todos e para todos. Um lugar de memórias vividas. Um lugar de refúgio, de contemplação e de partilha… Sem dúvida, o Cartaz de Visita de Porto de Vacas.
Partimos na companhia do Rio com os versos do meu amigo José A. Damas: “se desço o Rio/Nos teus passos/Em que Mar/Chegarei?”
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Agosto/2018