Já lá vão umas décadas, quando pela primeira vez li o “Jornal do Fundão”, pela mão do meu conterrâneo Francisco dos Santos Vaz, o “mítico” semanário fundado e dirigido pelo jornalista fundanense António Paulouro.
Andava a dar os primeiros passos em Gouveia, na Escola Apostólica de Cristo Rei, e nas férias do Natal, da Páscoa e no Verão, apesar de viver numa aldeia isolada esquecida do mundo, havia um fraterno convívio com os conterrâneos, também eles a frequentar cursos em diversos espaços culturais.
Um dos alunos mais adiantados na idade e nos estudos era o Francisco Vaz, brilhante estudante de Filosofia e Teologia, no Seminário Maior da Diocese da Guarda. Foi ele que me emprestou o “Jornal do Fundão”, “para ler com muita atenção”. Desde então tornei-me um assíduo leitor e, incentivado pelo Vaz, acabei por assiná-lo até aos dias de hoje. Quando me questionavam sobre a leitura de um jornal “subversivo”, dizia que trazia notícias importantes sobre o Seminário do Fundão.
A acção cultural do Francisco Vaz – mais tarde ordenado Padre, Professor do Ensino Secundário, Director do Jornal “o Nordeste” e Escritor -, foi determinante para me abrir os horizontes. Francisco Vaz tinha uma visão progressista e uma grande bagagem cultural, ultrapassava o clericalete balofo, retrógrado e fechado nas paredes da sacristia. Era um Homem que procurava uma Igreja humanizante, comprometida com as pessoas.
Há dias, 23 de Agosto, recordei o 9º aniversário da sua morte. Foi como um irmão para mim e, apesar de ter partido novo para a eternidade, une-nos uma inseparável amizade, não menos eterna.
Assim, com o seu contributo, mergulhava nas ideias do tão prestigiado órgão regional, sempre muitíssimo bem escrito, com um espírito crítico de fina ironia e, ao mesmo tempo, uma grande Humanidade. Era o único jornal que não alinhava no politicamente correcto, que denunciava as injustiças, que não alimentava interesses, viessem de onde viessem. Era a voz da Liberdade que nos fora negada. Como disse há tempos Eduardo Lourenço, recordando o seu exílio, o ““Jornal do Fundão” devolvia-me a Pátria roubada”.
Através do “Jornal do Fundão”, a Diáspora espalhada pelo Mundo sabia as notícias das suas gentes, das suas aldeias, dos seus familiares, dos baptizados, dos casamentos (a notícia do meu casamento em Setembro de 1971 lá vem inserida), dos funerais de parentes e amigos, dos campeonatos distritais… Mas eram os artigos de opinião livre e independente (o que levou à sua suspensão temporária), a forte identidade editorial assente num incondicional Amor à Terra de todos nós e a atenção à Cultura pelo punho de grandes escritores e ensaistas, o que mais me despertou. Na minha perspectiva, o ambiente cultural do Fundão, que alguns não querem ver agora como não quiseram ver no passado, tem no “Jornal do Fundão” o seu porta-voz, em parte devido ao histórico das muitas iniciativas culturais que desenvolveu contra ventos e marés.
Todas as minhas caixas de correio, nas mais díspares geografias, receberam religiosamente o “Jornal do Fundão”: esteve comigo na Escola Apostólica em Gouveia, na guerra em Guiné-Bissau, em Setúbal, em Penamacor, em Mem Martins, em Lisboa, em Castelo Branco, em Aldeia de Joanes e finalmente no próprio Fundão. É bom referir que em Gouveia me autorizaram a recebê-lo semanalmente, até porque era lido por alguns professores e padres alemães de mentalidade arejada, deixando-o exposto na Biblioteca para quem o quisesse consultar.
Ainda hoje, quando por qualquer motivo estranho não o recebo, procuro logo adquiri-lo numa papelaria, dirigir-me à biblioteca, ou ligar a um familiar ou amigo para me o emprestar.
Na compra de uma rifa através do “Jornal do Fundão”, para comemorar o 50º Aniversário do Seminário Menor do Fundão, fui premiado com o primeiro relógio da minha vida, um relógio de pulso para contabilizar as minhas horas.
Mais tarde, o meu filho mais velho tornou-se colaborador do “Jornal do Fundão”, trabalhando com António Paulouro e com o seu sobrinho Fernando, pessoas que o marcaram e com quem aprendeu muito.
Também alguns dos meus simples textos têm sido aí publicados, o que me dá uma grande e especial satisfação.
Nas ruas de Coimbra, de Setúbal, de Lisboa, na Comporta ou em Condeixa, o “Jornal do Fundão” continua a ser um abraço fraterno em formato de jornal.
Agora inicia um novo ciclo com uma jovem administração, com novos instrumentos tecnológicos mas com os valores de sempre: a Liberdade, a Resistência, a Cultura, a Valorização das populações e gentes da Beira Baixa e do País, a Voz da Exigência e da Proximidade.
O “Jornal do Fundão”, com a colaboração de todos, tem de continuar o seu percurso, vencer obstáculos e preconceitos, e honrar uma memória que se quer viva e activa.
No seu editorial conjunto, os novos timoneiros desta epopeia, que é levar um jornal todas as semanas ao porto do leitor, falam de “UM NOVO CICLO, O MESMO RUMO”, de “um legado que não merece estar encerrado num museu, mas na banca ou na caixa do correio, ganhando renovado sentido todas as semanas” e de um jornal que promova a participação cívica, crítica e democrática.
Longa vida ao “Jornal do Fundão”!
António Alves Fernandes
Agosto/2018
Setúbal