UM METEOROLOGISTA VOLUNTÁRIO – PADRE LATINHAS
Nasceu no Souto da Casa (Fundão) e residiu nos actuais escritórios da Rodoviária no Fundão, numas quintas onde se situa a Escola Secundária João Franco, o Pavilhão Gimnodesportivo, a DRABI (Associação Regional da Agricultura da Beira Interior), o Parque Verde Fundanense. No alto da quinta dos seus pais – José Manuel Costa (Lardosa) e Maria da Glória Oliveira (Souto da Casa) -, criou uma estação de meteorologia, actualmente propriedade da Câmara Municipal, que felizmente se mantém preservada e protegida. Era Quinta do “Chão do Russo” e Quinta do Fojo (Gleba do Norte, entaladas pela Quinta de São Pedro e pela Quinta da Nora, esta território da Escola Secundária).
Era invadida pelas águas límpidas da adua, que desciam da Serra da Gardunha.
A 5 de Maio de 1980, por escritura privativa, a Câmara Municipal do Fundão adquiriu-lhe uma Capela em ruínas, não se sabe o orago.
Se no dia 23 de Setembro estivesse no meio de nós, festejaria 111 anos. Quase a completar os 101 anos, faleceu a 23 do mesmo mês do nascimento.
Desconheço se no dia do seu funeral a Associação Comercial e Industrial do Fundão decretou luto e mandou fechar as portas do comércio local, como fez em relação ao Padre Francisco Bento. Se não o fez, devia-o ter feito. O Dr. Virgílio Costa Oliveira – Padre, Capelão, Professor, Meteorologista -, apelidado carinhosamente pelo povo fundanense como “Padre Latinhas”, merecia-o.
Não se sabe bem a razão desta alcunha, uns dizem que seria por saber muito latim… O povo também acrescentou ou alterou algumas letras, há quem defenda que era “Lentinhas”. O enigma aí fica.
Os terrenos agrícolas foram doados pelo Dr. Virgílio à Família Santareno, dados os fortes laços de amizade que os uniam.
Cedo ficou órfão de pai, tendo ficado ao cuidado da mãe, que se esmerou na educação do seu filho, tendo este atingido o presbitério e a docência.
Durante largos anos, desempenhou a missão pastoral no Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, agora integrado no Hospital da Cova da Beira na Covilhã, e no Albergue dos Pobres do Fundão. Quantos corações confortados, tantas dores espirituais aliviadas, tantos sacramentos de extrema-unção administrados, tantos acompanhamentos de familiares… tanto sofrimento partilhado.
No Fundão era uma figura mítica, carismática, uma mistura de monge capuchinho e frade no deserto, estatura pequena e passinhos curtos; de longe, se tivesse um capuz branco, dava a imagem de um pinguim. Distinguia-se de tudo e de todos com o seu traje eclesiástico e chapéu de abas largas. Não passava despercebido ao estudante da Escola Secundária (onde deu aulas), ao comerciante, ao operário, ao cidadão comum.
Como disse atrás, no ponto mais alto da quinta, herança dos seus pais, fundou uma estação meteorológica, onde voluntaria e religiosamente se deslocava de manhã e de tarde para recolher dados da pressão atmosférica, temperaturas, humidades, direcção e velocidade dos ventos.
Recolhidas estas indicações, enviava-as para os Serviços Nacionais da Estação de Meteorologia e Geofísica, dando um importante contributo a todos os portugueses.
Ali se deslocaram muitos alunos do ciclo, e não só, acompanhados pelos professores de geografia. Tinham aulas práticas, lições de meteorologia. Recebiam na hora o Boletim Meteorológico do dia.
Nas Comemorações do 255º Aniversário da Criação do Concelho do Fundão, por proposta do Executivo Municipal de 9 de Junho, foi-lhe atribuída a Medalha de Prata de Mérito Municipal, por ser uma personalidade merecedora de apreço.
Também no seu 90º aniversário, nas comemorações dos quarenta anos dedicados à leitura e observação dos resultados da sua Estação Meteorológica, foi homenageado pelo Instituto Português de Meteorologia. Uns meses antes, num acto de vandalismo, tinham-lhe destruído a Estação, mas conseguiu reconstruí-la.
Nos tempos do PREC, não se atemorizou: era na zona do Fundão o porta-voz da Rádio Renascença, angariando e cobrando quotas dos sócios daquela estação radiofónica, que quiseram silenciar e destruir.
Este texto é apenas um pequeno apêndice à obra realizada pelo Dr. Padre Virgílio da Costa Oliveira. É para memória presente e das gerações futuras.
Respeitei-lhe a sua vontade: nunca escrever Virgílio com um “e” sempre com um “i”, como estava no seu Bilhete de Identidade. Fernando Nogueira Gonçalves, no seu livro “Ilustres e Desconhecidos”, dedicou-lhe estes versos:
“O Padre latinhas já velhinho
E sempre sempre a correr
Para encurtar caminho
Corria a passo curtinho
Pois tinha tanto para fazer.”
Muitas vezes me cruzei com este voluntário meteorológico, um avalista do tempo. Infelizmente nunca tivemos tempo para falar do tempo…
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Setembro/2018