TARDE DE FUNERAL…
“A morte não existe: tudo é canto ou chama.”
Eugénio de Andrade
Sabe-se por indicações médicas que não se deve assistir a estas liturgias fúnebres, principalmente quando se colocam em causa emoções fortes e ansiedades.
No entanto, colocados os pratos na balança e neles foi colocada a gratidão e a amizade. A gratidão é acima de tudo um sentimento de reconhecimento, uma emoção dentro das emoções. É uma emoção forte ao tomarmos consciência, conhecimento que ainda há PESSOAS, que fazem boas ações em benefício dos que mais precisam, dos outros. Aqui, recordo e medito nas palavras evangélicas de Jesus Cristo, quando compara a vida de um cristão, a uma simples semente de trigo. Tem de morrer para nascerem muitos grãos. São os grãos das nossas doações para com os outros. Ninguém é uma ilha isolada.
A gratidão é uma espécie de divida, é querer agradecer a outra pessoa, aos seus familiares, por terem feito algo de benefício para nós.
Como escreveu Gustave Flaubert, “aos incapazes da gratidão nunca faltam pretextos para não a ter.” Infelizmente é o pão nosso de cada dia, numa sociedade egoísta, a perder valores morais e éticos.
Tinha de estar presente na Eucaristia Exequial, celebrada pelo Pároco, coadjuvado por mais dois sacerdotes e um diácono permanente.
A Igreja Matriz estava cheia, o sacristão avisava que havia carros a impedir a circulação na via pública.
Havia silêncio…muito silêncio e discrição. Finalmente, assisto, participo num funeral onde se respeita a dor dos familiares, apesar de um ou outro telemóvel perturbar os assistentes.
Em Portugal, não temos a pontualidade britânica, pelo que se esperou uns minutos, que a Eucaristia se iniciasse, com aviso prévio da hora do seu começo.
As leituras são concretizadas, uma pela filha da defunta, com um curso superior de leitora, a oração dos fiéis pelo neto. Este adolescente não aguentou a emoção, que lhe ia na alma pela perca da sua avó, e teve de ser a mãe a dar continuidade à oração. Um jovem enfermeiro, amigo dos familiares entoa o salmo responsorial acompanhado pelo Grupo Coral da Paróquia.
No meu banco fundeiro da Igreja refleti e conclui quanto aquela avó materna tinha sido para aquele jovem adolescente, para os seus adolescentes netos. Tanto amor infinito…tanto carinho…tanta formação e apoio…tantas carícias… tantas espiritualidades… tantos cuidados. Há imagens que valem mais que mil palavras.
Na homília o Celebrante não se esqueceu além das reflexões que as leituras evangélicas anunciavam, de se referir à esposa, à mãe, â avó, à professora, Margarida Maria Cruz Carneiro Angeja.
Um dia vieram de Angola, fruto da “exemplar descolonização”, onde davam aulas. Em Portugal reconstruiram a vida e durante mais de trinta anos ensinou muitos jovens, caminhos da vida, da ciência, da natureza. Não reivindicou nada, apenas mais um pouco de saúde.
Quando morre uma Professora, um agente educativo, cultural, o País fica mais pobre.
Margarida Maria Cruz Carneiro Angeja, descansa em paz…os anjos te conduzam e te levem ao Paraíso, e te entreguem nas mãos de Deus.
Há tardes que nunca deviam existir…
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Outubro/2018