SOUTO DA CASA – “A TIA AUGUSTA”
Nasceu no Souto da Casa quando já decorria a I Grande Guerra Mundial, em 3 de Outubro de 1919, filha de pais agricultores e pobres.
Augusta Alzira Mendes Gil cedo ficou órfã dos seus progenitores, e depressa casou com um alfaiate, que por motivos de falta de clientela teve de emigrar para Lisboa, conjuntamente com a esposa. Ontem como hoje, muito beirão tem de deixar os seus territórios para encontrar melhor futuro em outras paragens, nos grandes centros de Lisboa, Porto, no Litoral ou na Diáspora.
O marido José Luís Amaral, depois de diversas diligências, conseguiu trabalho na Câmara Municipal de Lisboa como varredor, que em muitos países é uma das profissões mais dignas e melhor remuneradas, o que não acontece no nosso País.
A “Tia Augusta” arranjou trabalho, no Mercado Abastecedor do Cais do Sodré, como vendedora de frutas, sem direito a tomar a deliciosa bebida de cacau quente que ali era servida.
Acabadas as atividades laborais naquele histórico local, era vendedora ambulante de frutas a diversas clientes já conhecidas, com as quais partilhava grande confiança. Chegaram a dar‐lhe a chave de casa e, além de deixar as frutas, ainda fazia pequenos trabalhos domésticos, principalmente na cozinha.
As saudades do seu cantinho na Beira Baixa eram muitas. No Souto da Casa sempre tinha a sua casinha, os seus familiares e pessoas amigas e
vizinhas, as suas pequenas propriedades e sempre fazia uns dias de jorna, muitas vezes com um horário do nascer até ao pôr‐do‐sol.
Um dia o casal viu‐se aposentado e, cansado da vida de trabalho em Lisboa, regressou à sua pátria materna – o Souto da Casa.
Não demorou muito tempo a enviuvar e, com esse estado civil, ajudava a irmã Ana Mendes Gil, mais conhecida por “D. Aninhas”, a criar os seus sobrinhos João Carlos Mendes Ramos e Filipe Miguel Mendes Ramos.
Ingressou na vida rural de onde partira e começou a trabalhar naquilo que herdou dos seus pais e sogros. Além de ajudar os seus familiares nas fainas agrícolas, ainda trabalhava por conta de outrem em pequenos trabalhos de sementeiras, apanha da cereja, vindimas e azeitona.
Partilhei com ela muitos momentos na colheita da cereja e nas vindimas e sempre me despertou a sua tenacidade; o seu trabalho era destacável, realizava as tarefas melhor que muitos homens.
Esta mulher centenária, carismática, de corpo franzino, colaborava também com a Comunidade Cristã e com a Junta de Freguesia. Estava sempre pronta para dar a sua colaboração em serviços paroquiais. Destaca‐se a sua ação na Festa de Nosso Senhor da Saúde e da Nossa Senhora do Bom Parto, algumas das romarias mais importantes da Beira Baixa, que se realizam no Souto da Casa no quarto domingo de Agosto de cada ano.
A fim de angariar fundos nesta romaria, a “Tia Augusta” confecionava bolos, filhós, mas a sua especialidade eram os coscoréis, doçarias muito apreciadas em forma de flores.
Também a nível cívico, todos os anos participava na Tomada do Carvalhal, um ato histórico das gentes da rama do castanheiro, que libertaram as terras das mãos da Família Garrett para benefício de todo um povo.
A “Tia Augusta”, na comemoração do 125º Aniversário daquela efeméride, contracenou com outros homens e mulheres, dando vida ao facto verificado naquele memorável ano de 1890 e com toda população respondeu ao grito: “De quem é o Carvalhal? É NOSSO.”
Ainda hoje, na quarta‐feira de cinzas, o povo do Souto da Casa se desloca para o Carvalhal comemorando a vitória de um povo contra a prepotência de uns senhores feudais.
Beneficiária de uma ótima saúde, nunca precisou de recurso a médicos e medicamentos.
Tem a idade centenária da falecida poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner, que no seu primeiro livro de poema – Poesia (1944) ‐, realçou o mar e o vento.
Podemos dizer que A “Tia Augusta” fez, com o seu trabalho diário e o suor do seu rosto, um poema da vida rural. Uma poesia feita nas sementeiras, nas cerejas em flor, nas videiras, nas oliveiras, nas mondas, nas colheitas de tantos frutos.
Sophia escreveu: “quando eu morrer voltarei para buscar/Os instantes que não vivi junto ao mar.” A “Tia Augusta” voltará um dia ao encontro das gentes da rama do castanheiro.
António Alves Fernandes Outubro/2019
Aldeia de Joanes