D. José Policarpo: Testemunho de D. Manuel Felício
A Guarda é uma Diocese da Província Eclesiástica de Lisboa, à qual presidiu o Cardeal D. José Policarpo durante 15 anos.
Na sequência do seu falecimento inesperado, na semana passada, quando participava no retiro do Episcopado, este é um testemunho que refere, por um lado, as minhas relações pessoais com o Cardeal Policarpo e, por outro, importantes marcas que ele deixou na Igreja em Portugal e na sociedade portuguesa.
A minha vida pessoal esteve, desde os tempos de seminarista, muito marcada pela pessoa do Cardeal D. José Policarpo. Foi meu Reitor durante três dos cinco anos em que frequentei o Seminário dos Olivais, em Lisboa. Ele esteve presente na minha ordenação sacerdotal, na qualidade de Reitor do Seminário, em Outubro de 1973. Entusiasmou-me pelos caminhos do doutoramento em Teologia, transmitindo-me a convicção de que esse era um bom e grande serviço que eu podia prestar à Igreja. Estive presente na sua ordenação episcopal, em 1978, no Mosteiro dos Jerónimos. Chamou-me para seu Bispo Auxiliar, missão para a qual me nomeou o Papa João Paulo II, no ano de 2002. Esteve presente na minha ordenação episcopal, na Sé de Viseu, em 2002. Acompanhou-me à Guarda e apresentou-me à Diocese como Bispo Coadjutor, em Janeiro de 2005, depois da nomeação que recebi do Papa Bento XVI. Posso dizer que as grandes decisões que tomei, mesmo depois de conduzido à Guarda, tiveram a sua ajuda.
Por sua vez, são muitas e profundas as marcas que o Cardeal Policarpo deixa na Igreja e na sociedade portuguesa do final do século XX e início do século XXI. Foi membro da Conferência Episcopal Portuguesa durante quase 36 anos, 8 dos quais como Presidente da mesma Conferência Episcopal. Levou sempre para as discussões e decisões da Conferência Episcopal a sua leitura dos sinais dos tempos, muitas vezes complementada com perícias adaptadas às diferentes situações.
Soube fazer magistério, quer para o Patriarcado de Lisboa quer para o conjunto da Igreja em Portugal. Era grande o seu prestígio quer como eclesiástico quer como intelectual e homem de cultura e disso mesmo fui testemunha durante o tempo em que servi o Patriarcado de Lisboa como seu Bispo Auxiliar.
A ligação à Universidade Católica, primeiro como professor, depois como Director da Faculdade de Teologia e depois ainda como Reitor durante 8 anos e a seguir como Magno Chanceler, função inerente à de Patriarca de Lisboa, colocaram nas suas mãos responsabilidades únicas com repercussão em toda a vida da Igreja em Portugal.
Sobretudo durante os seus 15 anos de Patriarca de Lisboa, foi grande referência para a sociedade portuguesa, sendo as suas opiniões incontornáveis, mesmo quando contestadas. Era sempre escutado quer no magistério propriamente eclesiástico, quer em outras intervenções e no debate público, tendo grandes vultos da cultura e da opinião como interlocutores.
Não foi menos importante o muito tempo que, semanalmente e mesmo em cada dia, dedicava a ouvir pessoas que o procuravam pelas mais variadas razões. A sua agenda de audiências estava sempre muito preenchida. Tinha a sua personalidade muito própria e dela não se demitia, sabendo também marcar as distâncias necessárias para que as decisões tomadas fossem sempre as suas decisões. Mas nunca recusava ajuda a quem lha pedia e disso sou testemunha.
Parte do meio de nós para junto de Deus uma das grandes referências da Igreja e da sociedade portuguesa, nesta viragem de século e de milénio. Estamos gratos a Deus por este dom que Ele nos fez e encomendamo-lo à bondade e à misericórdia divinas, enquanto procuramos dar cumprimento ao testamento de dedicação à Igreja que nos lega.
Manuel R. Felício, Bispo da Guarda