SABUGAL – A CIDADE ESTÁ MAIS POBRE…
Conhecia-a há alguns anos, na sua “Casa do Castelo”, no Sabugal. A receção, a postura, a sensibilidade, a sua forma de ser e estar, a sua paixão por tudo o que era arraiano, fizeram-me sentir a presença de uma GRANDE MULHER.
Com o prolongamento das visitas pessoais, sozinho e acompanhado, recordo as excursões do Grupo Desportivo da Portucel (Setúbal), organizadas pelo seu Presidente Ezequiel Alves Fernandes (Bismula). Todos foram unânimes no enaltecimento da simpatia e acolhimento excepcional desta Senhora, que recebeu os visitantes setubalenses com um serviço de aperitivos.
Nasceu há cerca de cinquenta e poucos anos e viveu sempre no Sabugal. Aí estudou e trabalhou.
O pai, Abílio Martins, oriundo de Coimbra, resolveu vir para o Sabugal a fim de vender petróleo em terras que só tinham a lua e sol como luz e energia. Não seguiu as pisadas dos seus familiares que emigraram para a Argentina, o país que alimentava a Europa numa guerra de carnificina com produtos agrícolas e pecuniários. Foram à procura do “El Dourado”, como o fizeram milhões de europeus. Muitos dos seus familiares vivem na Argentina e um deles fundou a cidade de Santa Maria de Ponilla, na região de Córdova.
Em Malcata, o pai conheceu Maria de Lurdes Simões, juntaram os “ trapinhos” e casaram na Igreja Matriz do Sabugal (ainda não lhe tinham construído aquele mamarracho imobiliário, que quase a colocou na clandestinidade). Desta união familiar nasceram duas filas e um filho.
O “ Tio Petroleiro “, como era conhecido na região, com uma carroça puxada por uma mula, percorria todas as freguesias e lugarejos da zona arraiana para vender o precioso líquido, que iria iluminar casas, estábulos, palheiros e um ou outro motor. Esta energia dava luminosidade à escuridão milenar que se apoderara daqueles pobres espaços geográficos.
Com algum proveito adquiriu um pequeno café, o Ribacôa, num local estratégico, no largo em frente à Cadeia Civil e à Câmara Municipal, e ao lado da Repartição das Finanças. Os funcionários e os utentes tinham ali à mão um espaço comercial, que já vendia café, mais tarde com a aparição da RTP, ali todos iam ver os programas do seu interesse (religioso, cerimónias de Fátima, musical, cultural, rural, desportivo e outros) e eram servidas bebidas frescas, graças aos frigoríficos a petróleo.
A GRANDE MULHER, com a morte do pai, teve de ajudar a mãe nos negócios do café enquanto ia estudando no Colégio do Sabugal, propriedade de Diamantino dos Santos.
Conheceu, mais tarde, Romeu Augusto Bispo, um sabugalense bancário com grande atividade no associativismo social e desportivo, passando dois mandatos pela provedoria da Santa Casa da Misericórdia.
A GRANDE MULHER também colaborava com a comunidade, prestando serviços na Catequese e na missão da Igreja.
Dedicou-se durante alguns anos na ocupação dos tempos livres das crianças, colaborando com a Irmã Maria Rita Dinis da Fonseca, do Colégio da Cerdeira.
Vendeu roupas, produtos cosméticos e outros produtos de beleza através de catálogo, até ter meios financeiros para recuperar uma casa em ruínas em frente ao Castelo das Cinco Quinas, baptizando-a de “Casa do Castelo”. Na reconstrução descobriram-se várias pedras de valor patrimonial e histórico – uma ara romana e diversas pedras medievais não identificadas. Cereja no cimo do bolo, deu-se a descoberta valiosa de um altar judaico – ARON HÁ KODESH -, uma espécie de armário da lei, onde eram guardados os livros e objetos de culto. Um monumento revelador da presença judaica na região do Sabugal.
Na “Casa do Castelo”, Posto de Turismo e Centro Cultural, muitas foram as suas finalidades: ali se encontravam diversos produtos turísticos, gastronómicos e culturais, em especial livros de autores do concelho. Ali estava a GRANDE MULHER, com a sua paixão, bairrismo, a vender tudo o que falava língua e trato sabugalense. Era cicerone e acompanhante de gentes de outros locais nacionais e estrangeiros, que queriam conhecer aquelas terras históricas, que D. Dinis, o, o Rei Lavrador, no Tratado de Alcanizes com Fernando IV de Castela, colocou em pertença da Coroa Portuguesa. Era uma rececionista de afetos.
Ali se faziam tertúlias literárias, encontros de personalidades das artes e das letras, apresentações de livros, recitação de poesia.
Esta GRANDE SENHORA, uma grande cidadã com carater cívico, social e cultural, chama-se MARIA NATÁLIA SIMÕES MARTINS BISPO, faleceu hoje, dia 30 de Dezembro, na Unidade da Dor do Fundão, pouco tempo depois de lhe dar o último adeus. Não merecia tanto sofrimento quem tanto deu aos outros.
O Sabugal, as suas gentes, a cultura arraiana ficaram mais pobres.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Dezembro/2014
SABUGAL – A CIDADE ESTÁ MAIS POBRE