Alpedrinha – O operário/empresário do ferro forjado.

Muito jovem, aos dezassete anos, subiu a zona sul da Serra da Gardunha e apresentou-se ao serviço numa das melhores oficinas de formação da cidade fundanense.

As salas de aula eram as diversas dependências oficinais da Empresa de Reis Miguel, empresário que foi um grande professor e mestre para muitos jovens que trabalhavam o ferro: “não havia ninguém como o Senhor Reis Miguel para ensinar. Não era de palavrinhas mansas, ensinava com autoridade, competência invulgar, conhecimento da matéria e boa transmissão de ensinamentos. Ele explicava com se utilizavam as ferramentas, como se devia trabalhar.

Tinha lugar em qualquer Escola Industrial, sem necessidade de fazer exames de conhecimentos. Devo-lhe tudo o que sei nesta arte de trabalhar o ferro”.

Esteve sete anos a trabalhar nessa empresa da serralharia civil e o seu maior orgulho foi a cobertura geral da garagem e oficinas da Auto Transportes do Fundão. A maioria não vê nem tem conhecimento da técnica e da arte para tal execução. Basta dizer que as armaduras em ferro são cobertas com telhas de alumínio de cinco milímetros.

Na procura de melhor vencimento, seguiu para Lisboa, pois no interior nem sempre se dá valor a quem tem qualidade e saber. Foi trabalhar para os Laboratórios Astral, onde construía principalmente jaulas para macacos-cobaias, usados em experiências farmacêuticas e médicas. Executou com tal perfeição esses trabalhos que a administração o requisitou para elaborar recipientes para medicamentos, sendo colocado no “ meio de muitas mulheres funcionárias.” Aqui o nosso Homem recorda o paraíso perdido: “Sabe, é a velha história, Adão e Eva divertiam-se no Jardim do Éden e comeram o fruto proibido. O Deus-patrão não gostou e eu tive que fazer as malas para outras paragens”.

Transitou para uma Empresa de Material Elétrico, e começou a fazer quadros elétricos em aço inoxidável, trabalho difícil de realizar. Além disso, fazia muitos cestos e carrinhos nesse material, para colocar e transportar as roupas dos utentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Nesta empresa ficará para sempre guardada na sua memória a colocação, no extinto Cineteatro Monumental, do primeiro ecrã de cinemascope. Tinha um sistema automático, que abria ou fechava conforme a amplitude da película a projetar. O primeiro filme a ser projetado em cinemascope, estreia à qual assistiu, foi “ Vinte Mil Léguas Submarinas” de Richard Fleischer. Ganhava muito perto dos três mil escudos, quando um professor não chegava aos dois mil escudos.

Teve entretanto uma proposta tentadora de Angola, que só não se concretizou devido às “burocracias”: licenças, vacinas, turbilhão de documentos…

Não percorreu o Atlântico, mas avançou temerário para os Pirinéus, seguindo o método de milhares de portugueses quando “assaltaram” a França. Aí trabalhou uma dezena de anos, o que lhe permitiu regressar mais tarde e constituir uma empresa em Alpedrinha, especializada em trabalhos gerais de serralharia, com uma grande vertente de trabalhos em ferro forjado.

Na sua ex-oficina de serralharia guarda para a prosperidade algumas peças de ferro forjado, são autênticas obras de arte.

Abandonou a arte com o desgosto por esta não ter continuidade nas gerações seguintes: “ é uma arte trabalhosa, difícil e maravilhosa”.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Abril/2015

Alpedrinha

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