Não se é moralmente superior por não ter combatido, como não se é moralmente inferior por ter combatido. Foram as circunstâncias políticas, económicas e sociais que levaram milhares de portugueses à Guerra Colonial. Muitos tentam apagar esta memória, ignorando as vítimas mortais, os estropiados, os sofredores de stress pós-traumático, que ainda por cima são conspurcados com epítetos como “fascistas”, “mercenários”, “reaccionários” ou “brigadas do reumático”. Espanta-me como ainda há tanta gente a julgar que os soldados portugueses foram uns “confortavelmente instalados”.  

Como é óbvio, não conheceram esses territórios, não sentiram nos pés o capim nem a lama, não estiveram atolados na merda com água até ao pescoço, não viram crocodilos à beira dos rios, não ouviram os batuques e os bombardeamentos, não viram o melhor amigo crivado de balas, não passaram o Natal sem a Mãe, o irmão ou a namorada, não receberam estilhaços nas costas, não saltaram para escapar a uma granada, não pisaram minas e armadilhas, não tiveram a sombra de um helicóptero a pairar, não viram os caixões em massa, não comeram as rações que o diabo amassou, não ouviram os foguetões a rebentar com os aviões, não sentiram nos ossos a cacimbada africana em mil e uma noites de sobressalto, nunca souberam o que é estar cercado de arame farpado, nunca esqueceram a senha que garantia a sobrevivência, nunca ficaram sem saber onde estavam os restos mortais de um camarada…

A guerra é um inferno de dor e sofrimento, todos perdem e ninguém ganha. Aí chorei os meus melhores amigos, alguns já vinham da escola primária, de repente caídos, criminosamente varridos da História ou alvos de chacota.

Alguns Municípios ainda recordam esses Homens, como felizmente acontece no Fundão, com os nomes de todos os militares mortos do concelho inscritos na Estação de Caminhos-de-Ferro. Também a Liga dos Combatentes pegou nas listagens dos mortos em combate e colocou um memorial em Lisboa. Ainda hoje tentam trazer para Portugal os restos mortais de soldados portugueses, sepultados em cemitérios improvisados como cães rafeiros, ou atirados para valas comuns depois de serem fuzilados sem dó nem piedade.

É preciso também ter memória de todos os que partiram em combate, independentemente das cores, dos países ou dos partidos. Neste mundo amnésico e alienado, temos que usar a arma da Memória, uma pistola que só quer matar o esquecimento.  

Termino com uma frase de Joubert: “a MEMÓRIA é o espelho dos ausentes.”

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2018