A verdade que (não) sacia!
Passou por mim hoje um homem que me pediu dinheiro para comprar o que comer. Levei a mão ao bolso. Não tendo dinheiro comigo, disse-lhe não ter com que o ajudar. O homem afastou-se, dizendo repetidamente as mesmas palavras a quem encontrava. Com a mesma expressão emocionada, frágil e pesarosa com que mas dissera a mim. Recebendo, repetidamente, a mesma resposta (negativa). Era palpável a sua vulnerabilidade. Mas também a coragem com que suportava os repetidos nãos e seguia a pedir. Mais, pela forma como pedia, como que abençoava os mesmos que lhe negavam ajuda. De onde lhe virão estas capacidades (perguntava-me eu)?
A verdade era esta: não tinha realmente dinheiro para lhe dar. Mas, naquele momento, essa verdade não me satisfez. Não tinha prata nem ouro, mas como gostaria de os ter, somente para os poder oferecer. Não tanto afinal pelo homem que mos pedia, mas por mim. Mas este salutar desejo também não me confortou. Tornar-me um sim para aquele homem, dando-lhe “eu mesmo de comer”, teria para mim, peso de vida eterna (Mateus 25, 31-46). Como perceber então as vezes em que – mesmo munido desta crença – usar de caridade para com o próximo não me saciou? (Terá de existir parte da verdade que desconheço…)
Deixei por momentos de orar sobre a solidariedade para com os desprotegidos, para recuar até às suas raízes. Aquilo que a motiva (à solidariedade). Dei por mim a pensar na preferência de Jesus pelos pobres. Preferência que O fez, e faz, habitar na terra a seu lado, como um deles (Lucas 2,7). Que O faz anunciar os desfavorecidos como bem-aventurados (Mateus 5,1-12). Por ventura, faria eu bem, em escolher ser um deles! Assim mo diz o Senhor: “Se quiseres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-Me.” (Mateus 19,16-30). Aos olhos do mundo, diríamos (e frequentemente dizemos) que estas instruções de Cristo (dirigidas a quem procura entrar no Reino de Deus) constituem desperdício e ingratidão para com os dons que o próprio Deus nos dá. Para a mente humana é absurdo escolhermos ser contados entre os pobres, num mundo que se quer próspero, de abundância, e livre do flagelo da pobreza. É incoerência lógica escolher pertencer a algo com que se quer acabar (a pobreza). Conclui então o homem não serem instruções para se tomar literalmente. Mas pergunto-me: como pode o homem julgar sobre isto se conhece a realidade do Céu e da terra de forma imperfeita? Apenas quem conhece tudo sobre todas as coisas tem sobre a sua verdade autoridade. E por ventura não anunciou Cristo que a Sua Palavra vem separar os deste mundo dos do Seu Reino (Lucas 12, 51)? Que nos diz então Deus? Acabo de O citar: é (para Ele) caminho da perfeição, e fonte de vida eterna!
Estou portanto em crer, que a bem-aventurança Cristã, passa não por (desejar) fazer conforme Cristo, mas no ser-Lhe conforme. No entregar da própria vida (a cada dia, ou de uma vez) como testemunho da crença nas escolhas de Cristo. Por isso nos diz “aprendei de mim, que sou…” (Mateus 11,29), e não “fazei como eu, que sou…”. É pois bem-aventurado aquele que converte a própria essência à Sua imagem. Assim se percebe que apenas a experiência e acolhimento da verdade total que é Cristo, na Sua Palavra e Vida, saciem inteiramente o coração humano. Em verdade:a) à vida (eterna) do homem.
Nuno Campelo