Nasceu há quase cem anos no Louriçal do Campo (Castelo Banco). Do seu casamento nasceram dez filhos, “felizmente e graças a Deus” ainda tem nove vivos.
Na primeira parte do século passado, o marido partiu do Sul da Gardunha para as Minas da Panasqueira, a fim de ganhar o sustento para a família. Na galaria da mina arrancou o volfrâmio às entranhas da terra. A mulher ficou no Louriçal do Campo, perdendo a primeira filha. Com tão profundo desgosto, o marido mineiro disse-lhe: “ vais viver para as Minas da Panasqueira; se gostares de lá estar ficas, se não gostares vens-te embora de imediato”. Gostou muito e ali ficou vinte anos na companhia do marido, partilhando os bons e maus momentos.
Mulher de trabalho, de dinâmicas familiares, depressa começou a trabalhar na casa dos engenheiros das Minas e do Padre Leal, em funções de limpeza e cozinha. Pagavam-lhe na altura sete escudos e cinquenta centavos, em moeda euro representa nos tempos correntes, cerca de quatro cêntimos.
Em 1955 deu-se o grande despedimento coletivo nas Minas da Beralt Tin and Wolfram, dois mil mineiros são atirados para o desemprego, muitos deles afetados com a doença da silicose. O marido Tomaz Nicolau da Cruz, com vinte anos de trabalho nas profundezas das minas, foi acometido por essa doença, sendo um dos primeiros a ser despedido.
Esta família iniciou um caminho doloroso, uma via-sacra. Só quem teve familiares no desemprego e com filhos, sabe a dor que essa situação envolve, com inúmeras preocupações.
Todavia, encontraram na Aldeia de Joanes um espaço de esperança. A solidariedade ainda não era uma palavra de oratória para muitas pessoas. A sua familiar, Beatriz da Conceição Lambelho, deu-lhes guarida e apoio. Os pobres estão sempre disponíveis para receber os pobres. Conseguiram arrendar uma habitação ao Professor Serra do Souto da Casa e, mais tarde, uma casa ao “Zé da Vaca”, no Lugar do Pau, hoje Largo 25 de Abril.
Como uma desgraça não vem só, o ex-mineiro Tomaz Nicolau da Cruz, vítima da silicose, partiu aos cinquenta e dois anos, deixando uma viúva com oito filhos, o mais velho casado de fresco.
Perante este cenário, a viúva, a mãe coragem, arregaçou as mangas e trabalhou arduamente no Fundão como empregada de limpeza. À noite, já em casa, ainda fazia toda a espécie de empadas, pastéis de carne ou bacalhau e outras iguarias que ajudavam a “alimentar” o numeroso agregado familiar.
Neste tempo, os pais ajudavam os filhos na esperança de que quando esses crescessem se tornassem um importante aliado na sustentabilidade de todos, contribuindo com os seus salários.
Esta mulher não tem saudades das Minas da Panasqueira, mas recorda algumas pessoas com lágrimas nos olhos: “Fui muito feliz quando criei os meus filhos e tinha o meu marido.”
É uma pessoa religiosa, que vive intensamente a Fé “desde o dia que o meu Higino partiu para a Guiné, nunca mais deixei de rezar o terço todos os dias”. Está presentemente num Lar moderno, não muito longe de Castelo Branco. Ao seu lado, vemos um Infantário, de onde chegam os sons das brincadeiras e das conversas das crianças. É bonita esta simbiose.
Vejo a galeria de rostos no Lar, “uns alegrias, outros tristezas são”… Tantos e diversos caminhos desenhados num rosto…
Num corredor, à entrada está afixado um quadro com umas letras bem visíveis, à semelhança do Sermão da Montanha: ”Pensam…mas não dizem/Felizes os que respeitam as nossas mãos enrugadas e os nossos pés deformados/Felizes os que falam comigo, apesar de os meus ouvidos já não entenderam bem as palavras/Felizes os que trazem um sorriso e perdem tempo a falar comigo/Felizes os que nunca me dizem já é a terceira vez que me conta essa história/ Felizes os que me lembram coisas do antigamente/Felizes os que me dizem que gostam de mim e ainda presto para alguma coisa/Felizes aqueles que me ajudam a viver os últimos dias da minha vida.”
Uma MULHER, uma MÃE CORAGEM, UMA HEROÍNA, que residiu muitos anos em Aldeia de Joanes. Chama-se ANTÓNIA SÚPICO SERRA e tem o amor total dos seus filhos e familiares.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Novembro/2014