COVILHÃ – AGRICULTOR-FEITOR-VIGILANTE-APICULTOR-ENDIREITADOR DE OSSOS

Na nossa vida social encontramo-nos com uma diversidade de amigos: os da onça, os oportunistas, os de ocasião, os que dão palmadinhas nas costas, e, os verdadeiros, aqueles que se preocupam, se interessam, se disponibilizam, se solidarizam nas nossas aflições, nas horas más, nas doenças, nas infelicidades. Esta crónica, este texto fala-vos de Manuel Vaz, um dos meus bons amigos e de há muitos anos.

Recebe-me no hall de entrada do seu “gabinete de trabalho”, na Rua Cidade do Fundão, na Covilhã. Pendurados nas paredes, observo um Mapa do Corpo Humano, um quadro com um distinto Diploma de Monitor de Primeiros Socorros e Segurança. Ao lado dos quadros, está a Imagem da Nossa Senhora da Conceição, óptimo auxílio para recuperar membros superiores e inferiores, costelas, colunas ou pescoços dos muitos doentes que o procuram.

Nasceu nas vésperas do 25 de Abril de 1931, em Penamacor. Os pais, além de cuidarem das suas pequenas terras agrícolas (olival, vinha, produtos hortícolas e criação de animais domésticos), ainda iam à jorna.

Fez exame da 4ª Classe e, até à inspeção militar, ajudou os pais nas fainas agrícolas. Apurado para todo o serviço militar, iniciou-se como recruta no Batalhão de Caçadores em Castelo Branco. Seguiu para a EPI em Mafra, completando dezoito meses de tropa.

Regressado à “peluda” (fim do serviço militar obrigatório), desempenhou uma tarefa importante: feitor na Quinta da Mosca, do Dr. Alberto Leitão Costa, onde tinha a missão de contratar e despedir os assalariados agrícolas. A atividade agrícola “abrangia vinte e dois prédios rurais, e, a apanha da azeitona começava nos fins de Novembro e só terminava em fins de Fevereiro, com dezoito trabalhadores sazonais”.

Ao fim de três anos e meio, imigrou para a Covilhã, pela mão de um filho de António dos Santos Cachoné, proprietário da Quinta da Fábula, junto ao ex-Campo de Aviação, onde numa vacaria, tratava de muitas vacas-leiteiras.

Saiu ao fim de onze meses para ocupar a profissão de vigilante, guarda das Matas do Campos de Melo, junto ao Estádio Santos Pinto, hoje propriedade de Paulo Rato. Naquela época não havia necessidade de vedações, nem redes de arame farpado ou outras. Havia, sim, a ação humana para não deixar roubar lenhas, frutas… Havia também uma fábrica de sabão, com matéria primas vegetais.

Com esta experiência profissional, conseguiu transferir-se para a Fábrica de Lanifícios Mosaco Alçada, onde esteve durante oito anos.

A última etapa foi na Nova Penteação, de onde se reformou ao fim de vinte e dois anos com a atividade de porteiro.

Este foi o seu trajeto profissional desde muito novo, mas Manuel Vaz é sobretudo conhecido pelos inúmeros trabalhos de recuperação na área da ortopedia.

José Joaquim Mendes Seixas do Casteleiro (Sabugal) conta-nos: ”muitas vezes os taxistas chegavam à Covilhã, junto ao Hospital com doentes com problemas ortopédicos e perguntavam pelo Dr. Manuel Vaz. Os porteiros perguntavam: qual Manuel Vaz, o do Hospital ou o Endireita? Respondiam que este tinha consultório e sala de tratamentos junto à Cadeia Civil e vivia perto do antigo hospital, onde atualmente estão as instalações da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã”.

Desde tenra idade, sentiu uma inclinação natural para resolver as fracturas dos animais. Mais tarde aplicou as “capacidades médicas” às pessoas, que não mais deixaram de o procurar. Inicialmente, nunca pedia dinheiro pelos seus serviços. Quando recebeu pela primeira vez dez escudos ficou radiante, mais ficou quando lhe deram vinte escudos: “as pessoas, ao darem-me este dinheiro, sabiam que algo de bom lhes aconteceria, acreditavam na melhoria das suas mazelas”.

Tratou centenas e centenas de pessoas, de todas as condições sociais: “só nunca tratei o Papa, mas se fosse preciso estaria sempre disponível. De Malpica do Tejo até Vilar Formoso, neste vasto território geográfico, tratei inúmeras pessoas, inclusive com deslocações às localidades.”

“Sabe que não acredito em milagres, mas estou convencido que as minhas mãos talvez já tenham feito muitos. Por isso tive um problema com a Justiça, que me fez sentar no banco dos réus no Tribunal da Covilhã, por denúncia médica, uma vez que diziam o exercício da medicina ilicita e clandestinamente”.

O processo correu os seus trâmites legais e, apesar de ter como testemunhas abonatórias o Delegado de Saúde – Dr. Fausto Elias da Costa-, o Médico Dr. Pinho e o Subchefe da Polícia Paiva, foi condenado a seis meses de prisão, remíveis a dinheiro.

No decurso do julgamento, o Meritíssimo perguntou ao Subchefe da Polícia Paiva, porque não prendera o réu nas suas atividades ilícitas. O Paiva respondeu:

– Senhor Dr. Juiz, como era possível prender um homem que resolveu os meus problemas de saúde, que nem em Angola, nem na Metrópole conseguiram?

O nosso Homem também se dedica à apicultura: “as abelhas conhecem-me e trato-as com muito carinho. Às vezes coloco-as na boina que levo à cabeça, e só quando estão quentes partem para a sua colmeia. O dia que não tivermos abelhas, a natureza morrerá. ”

Este ano foi visitado por um estudioso da natureza, residente em França, que realizou um documentário televisivo sobre as suas atividades de apicultor.

Com um semblante triste, afirma que a saúde e a idade já não lhe permitem tratar das suas abelhas como antes. Tem uma tabuleta na porta do seu “escritório”: vendem-se colmeias com abelhas. Perante este cenário, veio-me à memória as páginas da obra literária “A MORTE DE UM APICULTOR”, do escritor Lars Gustafsson.

As suas mãos privilegiadas libertaram-me de muitas dores físicas. Bem-Haja Manuel Vaz.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Dezembro /2016