CRÓNICA ROMANA

Há muito que o nosso Homem andava com vontade de visitar Roma, sobretudo o Museu do Vaticano e a Basílica de S. Pedro. Esteve prestes a acontecer no Ano Jubileu da Misericórdia, mas não foi possível. Há dias aconteceu e o nosso Homem, passados os controles e as amostragens de identificação, lá aterra no aeroporto de Fiumicino em Roma, na companhia de cidadãos das mais diversas nacionalidades, onde se encontram alguns pesarosos adeptos do Borussia Dortmund, porventura à procura de alento papal, após a derrota com o Benfica no Estádio da Luz.

Não muito longe das Catacumbas de S. Sebastião e de S. Cosme, cruza-se com um grande rebanho de ovelhas, o que obriga a uma paragem. Alguém se lembra de pedir emprestadas as ovelhas romanas para o Festival da Transumância em Alpedrinha, mas elas não se mostram muito recetivas em trocar Roma pela Gardunha.

Fica hospedado no coração da cidade, numa Residencial com preços convidativos, junto à Fontana di Trevi. Com a pouca bagagem já arrumada, passa junto ao Hotel Hassler Villa Medici, perto das escadarias onde se realizam os grandes desfiles da moda italiana. Um porteiro com a sua fatiota confunde-se com um general, qualquer soldado maçarico menos atento lhe faria continência.

Irrompe uma Catarina Eufémia aos gritos: “Abaixo o capitalismo! Fechem as casas dos milionários!”. Agitada, apesar do clima ameno, implora ao empregado para atuar. Este responde: “se sou despedido, para onde vou trabalhar?” A senhora, uma das grandes anarquistas de Roma, fica sem resposta.

Na Praça do Povo, na Basílica de Santa Maria del Popolo, o nosso Homem encontra duas impressionantes obras-primas de Caravaggio: a Conversão de São Paulo e a Crucificação de S. Pedro, de cabeça para baixo. Num altar lateral, está sepultado o Cardeal de Alpedrinha e, junto à grade que impede a passagem, há uma caixa de esmolas em nome de Santo António.

O nosso Homem avança numa rua estreita até se deparar com uma loja de pinturas com o nome “in vino veritas”. Pensa tratar-se de uma taberna com bom vinho, mas o interior é unicamente composto por obras de arte de grande elevação.

Os órgãos de comunicação social anunciam uma greve de taxistas romanos, pelos vistos têm os mesmos problemas que os lusitanos, pouco habituados à concorrência. Quem não parece importar-se com a greve, são os muitos sem-abrigo encostados às colunatas no recinto do Vaticano. São vizinhos do Papa Francisco, mas também precisam de um prato de sopa. Seria uma boa medida reverter parte da bilheteira a favor destas Pessoas.

Na visita ao Museu do Vaticano, o nosso Homem percorre quilómetros de corredores e civilizações, o difícil é não tropeçar em tantas obras de arte. É como uma viagem, de maravilha em maravilha, até chegar ao Juízo Final na Capela Sistina, que segundo a tradição tem as medidas do Templo de Salomão em Jerusalém.

Está ali a vida de todos Homens, a nossa vida individual e coletiva, a luta entre o bem e o mal. O nosso Homem, emocionado, poucas vezes viu tamanha superação humana pela Beleza e pela Verdade. O Juízo Final de Miguel Ângelo é a prova mais evidente da existência do Homem com Deus, nos seus confrontos, dúvidas, castigos, recompensas. Lembra-lhe a frase de um sacerdote: “Obedecer a Deus é difícil porque implica tantas vezes desobedecer a nós próprios”. A Fé de Miguel Ângelo, que todos os dias lia a Bíblia, terá iluminado os frescos da Capela Sistina. Só assim se explica o génio que captou, de forma total, a possível harmonia dos Homens mas também o lado

negro da condição humana. Durante meia hora de meditação e observação, o nosso Homem só ouve a voz de um funcionário, que, num tom solene e pausado, pede “silenzio”. E todos se calam…

Num dos pátios exteriores, uma sinalética indica ”Padiglione delle Carroze”, o Museu dos Coches do Vaticano. O nosso Homem vê o papamóvel que transportou João Paulo II quando foi alvo de um atentado. Na parede é projetado um vídeo que explica os pormenores, sem esquecer as Aparições de Fátima e, mais importante, o perdão do Papa ao criminoso que o tentou matar.

Na Basílica de S. Pedro, a Mãe de todas as Igrejas, o nosso Homem sente-se pequenino perante tanta grandiosidade. Os olhos embalam na comovente “Pietà” de Miguel Ângelo, relação trágica universal entre uma Mãe e um Filho.

Igualmente monumental é o Coliseu de Roma, construído 62 anos d.C., com capacidade para sessenta mil assistentes. O nosso Homem encontra aí uma cruz, que lembra os milhares de cristãos martirizados.

Já no Fórum Romano, vê as ruínas do Império, lembra-se que a vida é efémera, que até os vencedores acabam vencidos.

Ali ao lado, na Igreja de Santa Maria in Cosmedin, uma pérola medieval, salienta-se o altar de São Valentim, o Padroeiro dos Namorados, com uma relíquia do Santo. Não lhe faltam visitantes apaixonados, pedindo a sua proteção divina.

Como o nosso Homem não é de pau, lá foi à descoberta de uma tasquita para comer qualquer coisa. Entre a Taberna dos Patrícios e a Taberna dos Plebeus, o nosso Homem escolheu os Plebeus, pois a reforma não dá para grandes spaghettonis.

Na Praça do Campo das Flores, a banda de Música da Polícia Romana toca junto à estátua de Giordano Bruno, os seus elementos parecem satélites em sua órbita. O “herege” Giordano iria rir-se deste novo sistema cosmológico. Não muito longe há animação de rua – teatro de sombras com música dos anos sessenta e setenta.

O nosso Homem não se esquece de visitar a mais pequena das Igrejas, na Academia Real de Espanha, o protótipo de um templo renascentista. À saída, vê uma longa exposição fotográfica de repórteres de guerra com o título “Na linha da frente” e a máxima “o Homem é o lobo do Homem”. Muitos deles perderam a vida no seu ofício.

Na Igreja de S. Vicente e Anastácio, junto à Fontana di Trevi, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, há meia dúzia de pessoas na Eucaristia Vespertina, enquanto cá fora milhares de visitantes aliviam os bolsos, deitando moedas na fontana, uma gorjeta ao Espírito Santo, que já deve estar rico.

No final da visita ao Museu de Miguel Ângelo, o nosso Homem sobe a colina na Via dos Médicis e, qual Asterix Lusitano!, é intercetado por dois soldados romanos, implorando dinheiro em troca de uma fotografia pitoresca. Foram imediatamente derrotados pelo Asterix Português, não sendo necessário o recurso à poção mágica.

O nosso Homem conclui o seu périplo romano com uma visita à Igreja de Santo António dos Portugueses, onde se sente mais perto do seu país. Aí encontra um beirão com saudades da Serra da Estrela e das cerejas do Fundão.

Assim termina em Roma a Peregrinação do nosso Homem.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2017