XXXIII – Domingo Comum
Jesus, uma vez mais, comunica através de uma linguagem enigmática e, por conseguinte, difícil de entender. Num primeiro contacto, ficamos sem saber o que nos quer transmitir e hesitamos se devemos interpretar à letra as suas palavras ou mesmo se as devemos tomar a sério.
Jesus começa por se referir a um tempo em que se sucederão inesperadas e terríveis transformações cósmicas. Depois, anuncia que Ele, o Filho do homem, voltará ao mundo com todo o seu esplendor, mandará reunir todos os eleitos da terra e realizará como que um julgamento final do mundo e da história. Seguidamente, diz que tudo isso está para breve. Por um lado, garante que Ele já “está mesmo à porta”. Por outro, garante que “não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”. Ao mesmo tempo, afirma que ninguém, a não ser o Pai, conhece o dia e a hora em que tudo isso sucederá.
Não parece tarefa fácil conjugar e harmonizar todas estas informações. Para conseguirmos captar a mensagem de Jesus, é necessário ter presente duas coisas. Em primeiro lugar, a natureza do texto, ou seja, o seu género literário. Este texto pertence à literatura apocalíptica. Nesta, como o comprova sobejamente o livro do Apocalipse, é comum o uso do simbolismo cosmológico. Ele serve para anunciar acontecimentos da história, muitas vezes acontecimentos catastróficos e dramáticos, que o autor não quer ou não pode fazer de um modo directo e explícito. Assim sendo, se queremos entender o texto, não podemos fixar-nos na letra do mesmo. Precisamos, isso sim, descodificar a sua linguagem simbólica.
Em segundo lugar, neste texto, tal como nos é oferecido por Marcos, cruzam-se ou interpenetram-se duas realidades diferentes que estão nos horizontes de Jesus. Jesus tem em mente algo que está para acontecer: “não passará esta geração …”. Além disso, perspectiva e fala também de algo que acontecerá apenas quando a história atingir a sua plenitude.
“Não passará esta geração …” Jesus refere-se, antes de mais, à conquista da cidade e à destruição do templo de Jerusalém por parte dos romanos, o que acontece no ano 70 dc. Logo no início do capítulo, aludindo às belas construções da cidade santa, Jesus afirmara: “Não ficará delas pedra sobre pedra; tudo será destruído” (13,2). E muitos contemporâneos (esta geração) de Jesus serão testemunhas desses acontecimentos. A destruição da cidade e, sobretudo, a destruição do templo foram vistas e sentidas pelos judeus como o fim de tudo. As suas esperanças e os seus sonhos religiosos e políticos, alimentados, durante séculos, pelas promessas de Deus, desmoronaram-se completamente. Compreende-se, pois, que muitos considerassem ter chegado o fim do mundo.
Um segundo plano de leitura aponta-nos para o efectivo fim do mundo, quando o projecto salvífico de Deus atingir a sua plena realização. Então, o Filho do homem voltará, “com grande poder e glória”, para julgar o mundo e a história.
Os diferentes elementos do texto prestam-se a equívocos. Partindo dos sinais dados por Jesus e não atendendo à sua dimensão simbólica, muitas pessoas, em tempos de cataclismos naturais ou de conflitos bélicos, têm previsto ou mesmo marcado datas para o fim do mundo. Porém, todos esses prognósticos se têm revelado falsos. E não serão mais credíveis os que se seguirão! Na verdade, a meta da história e do mundo ainda está longe. É necessário que o Evangelho seja anunciado em todo o mundo e o mundo atinja a sua perfeição, ou seja, os homens conheçam Cristo e cumpram a sua missão de “dominar a terra” (Gen 1,28).
Contudo, não deixa de ser verdade que Jesus “está mesmo à porta”. Durante todo o tempo da história, Jesus está sempre connosco (Mt 28, 20), bate à nossa porta (Ap 3,20), deseja fazer parte da nossa vida. Jesus também está próximo no sentido que o fim da nossa vida neste mundo pode acontecer de um momento para o outro, sem que ninguém o saiba ou o possa evitar. Na medida em que Lhe abrirmos a nossa porta, em cada dia da vida neste mundo, não O estranharemos, quando, um dia, bater à nossa porta e nos chamar para a casa do Pai. Só têm medo desse último dia e da vinda de Jesus, aqueles que percorreram sem Ele o caminho da vida e não têm como meta da vida a eternidade de Deus.
Pe. José Manuel Martins de Almeida