FUNDÃO – CLUBE DE LEITURA

Nasceu no Fundão o Clube de Leitura. Mensalmente, os Leitores aderentes vão poder reunir-se na Biblioteca Eugénio de Andrade, um espaço de partilha de ideias, de emoções, de conhecimentos, sob orientação e direção do escritor Manuel da Silva Ramos.

A primeira sessão, com uma razoável assistência (seria bom nas futuras edições ter a participação de mais jovens), foi dedicada a Vergílio Ferreira, uma homenagem comemorativa do seu centenário. O debate Tertuliano incidiu na imortal obra literária “Manhã Submersa”, pérola da língua portuguesa, que aborda as vivências do autor no Seminário do Fundão.

Surgiram acérrimas críticas em diversas direções. Uma pessoa considerou que acordar um adolescente às seis da manhã para estudar era um ato de violência. Cá para mim, sempre é melhor acordar às 6 da manhã para adquirir conhecimentos e construir os alicerces de um futuro, do que se deitar às 6 da manhã sem nada aprender ou passar uma noite de contrabando de sobrevivência, calcorreando montes e vales por caminhos fronteiriços.

Um ex-aluno salientou que nunca conheceu, em oito anos de seminário, qualquer “manhã submersa”, mas sim manhãs radiosas e felizes. Referiu ser necessário não tomar a árvore pela floresta, pois, embora o contexto nacional fosse austero em todas as áreas, o seminário foi a escola dos pobres, democratizando o ensino antes de haver Democracia, permitindo que muitos jovens sem dinheiro pudessem ser alguém na vida e desempenhar funções importantes na sociedade.

Nas páginas finais da “Agenda de 2016 – Vergílio Ferreira”, editada pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, aparece manuscrita a folha do rosto da Manhã Submersa (1954) com diferentes hipóteses de títulos, entre elas, a de “ Cavalo Degolado/Noturno”.

Um dos tertulianos, que por acaso nunca estivera num Seminário, apontou logo a infelicidade, a angústia, o castigo e a castração de todos os seminaristas. O ex-aluno estranhou o termo castração, pois todos os seus colegas seminaristas tiveram vários filhos depois desta experiência castradora… Além disso, são todos cidadãos ativos em inúmeras atividades e serviços, reconhecendo a VIDA que o seminário lhes proporcionou.

Hoje, com os alunos a agredirem e a ofenderem os professores, os vários crimes nos espaços escolares, a eliminação progessiva das provas de avaliação (outra terrível violência para as crianças), as praxes assassinas, os diplomas de licenciaturas domingueiras, apostaria que Vergílio Ferreira, se fosse vivo, escreveria um romance com o seguinte título: ”Cavalos sem freio.“

Começaram depois as análises filosóficas e teológicas. As opiniões dividiram-se entre os que consideraram Vergílio Ferreira ateu e os que o consideraram agnóstico. Eu vejo uma procura de Deus em toda a sua obra, os especialistas logo me excomugam.

Um leitor insistiu no ambiente de “reclusão” dos Seminários, atirando para o ar, sem conhecer a realidade, que era uma prisão sem direito a saídas. Foi de imediato desmentido pelo ex-aluno, recordando-lhe que nas férias grandes do Verão (durante 3 meses), assim como na Páscoa e no Natal, todos os estudantes podiam ir para junto das suas famílias.

Como está na ordem do dia, muitos leram referências à pedofilia na obra de Vergílio Ferreira. Relendo a “Manhã Submersa” não encontrei nenhuma alusão a que esse crime fosse praticado no Seminário do Fundão.

Concluindo, Vergílio Ferreira escreveu a “Manhã Submersa”, uma obra intemporal da nossa literatura, não se limitando a criticar o “A”, o “B” ou o “C”. Na retina ficou aquele professor de português, bem conhecedor do pensamento e da obra de Vergílio Ferreira, que se recusou a participar na componente mais polémica desta tertúlia literária: O SEMINÁRIO.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2016