FUNDÃO – “OS MEMORÁVEIS”
A beleza é o grau mais elevado da verdade
Lídia Jorge
Na segunda sessão do Clube de Leitura, organizada pela Biblioteca Eugénio Andrade, sediada no Fundão, ocorrida em Abril, não podia deixar de se abordar o tema da Revolução do 25 de Abril. Assim, analisou-se a obra “ Os Memoráveis”, da escritora Lídia Jorge.
É um romance notável, que aborda friamente a noite da Liberdade. Os seus textos são uma arte rara na produção da língua portuguesa, frases curtas e incisivas envolvendo o leitor. Contém uma mensagem de grande realismo, que nos leva a refletir sem dogmas e sem medos. Aborda de uma forma inteligente e elucidativa algumas das figuras que foram a chave de uma revolução mas acabaram por ficar no esquecimento.
Uma obra literária não tendenciosa, escrita numa atmosfera de liberdade. Sobre o 25 de Abril, não era possível escrever melhor. O livro incita-nos a reverenciar a revolução.
Ainda hoje muitos se interrogam, como ficou comprovado neste Clube de Leitura, o porquê de acontecer o 25 de Abril, naquela data e naquele tempo. Terá sido por Portugal ter perdido a sua influência, no transporte marítimo, com a abertura eminente do Canal Suez? Alguém recordava que Portugal era a única Ditadura europeia que pertencia à Nato, à Aliança Atlântica.
Terá sido para acabar com a Guerra Colonial para uns, Guerra do Ultramar para outros?
Terá sido por um mero movimento reivindicativo corporativo de alguns militares, mais tarde cerca de cinco mil, conforme se descreve no livro “ Os Memoráveis”? Quais destes três fatores acabou por trazer a Liberdade?
Manuel da Silva Ramos, o orientador destas tertúlias literárias, traçou o perfil da escritora Lídia Jorge, natural do Algarve, professora de ensino secundário em Angola, Moçambique e Portugal, com mais de dezoito livros publicados e traduzidos em diversos países com destaque em França e Alemanha. Tem sido distinguida por diversos prémios, a “ sua obra muito tem contribuído para o enriquecimento do património cultural e literário de Portugal.” Um dos seus romances – “ A Costa dos Murmúrios”- tem páginas maravilhosas sobre a Guerra Colonial, tendo sido adaptado ao cinema por Margarida Cardoso.
Manuel da Silva Ramos foi porta-voz de uma carta de Lídia Jorge, dirigida ao Clube de Leitores do Fundão, que transcrevo algumas passagens, “ as estantes cheias de livros, as livrarias expõem títulos, uns após outros, renovando-se sem cessar, e as bibliotecas, no seu conjunto, são espaços infinitos onde cada lombada não passa de um traço perecível, na imensidão dos sinais escritos. Por isso sinto-me grata sempre que um leitor, ou grupo de leitores escolhe um livro meu para ler e sobre ele discute e troca opiniões. Neste caso, sinto-me grata porque esta Comunidade de Leitores, liderada pelo escritor Manuel da Silva Ramos, se tenha debruçado sobre “ Os Memoráveis…
…À margem das interpretações, e do seu alcance, por certo discutível e variável, devo dizer que escrevi este livro sob o efeito da emoção. Escrevi-o colocando a ação e as palavras na boca de jovens portugueses, para que eles tivessem orgulho nesse momento luminoso. É o meu livro mais comprometido com o real, com o social. Aquele que fica rente à História invertendo-a. Se tiverem paciência de conviver durante alguns dias com essas figuras oriundas da realidades, que eu transformei em figuras irreais e lerem no seu jogo de perdição e quixotismo, um aceno de esperança luminosa, aquele que a literatura se depreende e a partir das últimas páginas dos livros independentemente do seu final feliz ou infeliz, e que consistente na mensagem de que só a beleza supere a morte, a morte da nossa carne, mas sobretudo a dos nossos ideais, ficarei feliz. Se assim for, pela vossa leitura, serei completamente recompensada de vários mal entendidos, por tê-lo escrito. Cada leitor é autor da sua interpretação. Obrigado por se disporem a completar este livro.”
Este documento deve ficar para memória futura, devendo ser classificado como património municipal. Também é uma homenagem aos Leitores da Biblioteca Eugénio de Andrade do Fundão.
Os Memoráveis foram muitos, à semelhança dos jovens estudantes universitários, (um deles do Souto da Casa), que no amanhecer da liberdade, se deslocaram para o Fundão, onde escreveram com tinta encarnada muitas frases anti-regime e contra a guerra colonial, cruzando-se com as tropas revolucionárias, que partiram de Santarém para Lisboa, seguindo o itinerário Terreiro do Paço, Rossio (aqui receberam cravos vermelhos) e Largo do Carmo, onde o Governo foi deposto.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Abril/2016