Oriundo de uma família de pequenos agricultores, proprietários de uma Quinta no Vale da Cabra, o nosso “mestre de barbas” nasceu em Alpedrinha no início de 1931.
Fez os estudos primários na terra natal e, conforme as normas educativas vigentes, teve que fazer exame da 4ª Classe, na Escola Primária das Tílias no Fundão.
A vida do campo não era, nem é, muito atrativa para os jovens, embora haja artistas políticos a pregar que sim, sobretudo os que nem sequer conhecem a enxada: uma ferramenta que trabalha a terra e pode ser útil para enterrar as promessas políticas.
O nosso jovem, além de ajudar na missa em latim do Santo Padre Cruz, que visitava com frequência Alpedrinha (onde tinha um grande amigo), começou a universidade da vida como aprendiz na Barbearia do Tio Zé Pires, sita na Rua Deão Boavida. Durante dois anos, todos os dias pegava nos utensílios de corte do cabelo e da barba. O dono da barbearia não prescindiu do pagamento e o progenitor do futuro barbeiro teve de desembolsar dois mil escudos para pagar as propinas universitárias das barbas e dos cabelos.
Aos dezoito anos, com o diploma prático, deu o salto para o Fundão e foi trabalhar para a Barbearia Porfírio, na Rua José Germano da Cunha, também durante dois anos.
Atendendo “ao bom salário”, todos os dias fazia a pé a peregrinação Alpedrinha-Fundão-Alpedrinha, atravessando uma parte da Serra da Gardunha pelas bandas de Alcongosta, calcorreando o caminho romano.
O Barbeiro Joaquim Mendes Caldeira deu salto maior quando aproveitou o trespasse da Barbearia na Praça do Município do Fundão da Família de Armando Paulouro, num edifício dos mais antigos da cidade fundanense. O Dono, ao entregar-lhe as chaves da loja, acordou logo com o barbeiro um “negócio de barbas”: duas vezes por semana, às 4ªs e Sábados, tinha de lhe fazer a barba. Mas alertou-o que não lhe daria muito trabalho. Ao fim de lhe fazer 2 vezes as barbas, o nosso barbeiro recebeu a notícia da morte do dono.
Além do trabalho diário, candidatou-se a um concurso público para prestar serviço na Cadeia Civil e, durante seis anos, todas as quartas-feiras às sete horas, o carcereiro abria as portas para o nosso homem cortar o cabelo e fazer as barbas a quarenta reclusos, pagando o Ministério da Justiça, a quantia de oito escudos por cabelo e vinte e cinco tostões por barba.
Virou-se também para o Hospital. Aí se deslocava às 3ªs e 6ªs feiras e cada doente tinha de pagar o serviço de barbearia: “Foi um trabalho muito difícil e até em cima da cama tinha de fazer os serviços de barbearia, porque muitos doentes não podiam mover-se. Em muitos casos senti muita dor e sofrimento. Nunca tive coragem para fazer a barba a um defunto, só abri uma exceção ao meu sogro Domingos Carlos, motorista da Ex – Moagem do Fundão”.
O Barbeiro Caldeira avançou para novos espaços. Foi convidado para ir ao Seminário Menor do Fundão, com mais de duzentos seminaristas e mais de uma dezena de padres, tendo como Vice-reitor José Lourenço Pires, natural do Rochoso. Aí, durante onze anos de atividade, conheceu muitos padres, com destaque para o Padre António Nobre, o homem da mota e da agricultura e o Cónego Mário Almeida Gonçalves.
De bicicleta – chovesse, nevasse ou fizesse sol -, todos os dias ia ao Seminário Menor no final do dia, aí jantava e depois começava a operação de “tosquia”. Mais tarde, já guiava um Fiat 124, que guarda religiosamente num museu que tem em Alpedrinha, entre muitas peças de sapateiro, marceneiro, funileiro, ferreiro e alfaias agrícolas. Em livro de registo, cada aluno colocava a rúbrica do trabalho do barbeiro feito.
Com 68 anos de atividade, já fez o corte de cabelo e barba a treze Presidentes da Câmara Municipal do Fundão, a um deles desde criança. Também muitos magistrados do Tribunal Judicial de Fundão lhe tiraram a toga… Um deles, o Dr. Laborinho Lúcio, que foi Ministro da Justiça, e por quem nutre uma grande e recíproca amizade. Quando este era Delegado do Ministério Público contou uma história engraçada que o nosso barbeiro não esquece: “Ao entrar no Tribunal foi saudado por um HOMEM deficiente com “um bom dia, Sr. Dr. Juiz”. O então Delegado disse-lhe que não era Juiz. A resposta foi imediata: “ sois todos iguais”.”
Este homem de barba rija e tesoura afiada continua a trabalhar. No seu curriculum, já “cortou” criminosos que juraram inocência no seu banco dos “réus”, doentes que precisavam da extrema-unção, ex-padres e futuros padres, um bispo, estudantes que fugiam para debaixo das cadeiras, homens da lei e da grei e autarcas para todos os géneros (de corte, é claro).
Falta o cortar o cabelo e fazer a barba, ao Papa Francisco, mas este prescindiu dos seus serviços, porque ele próprio se encarrega e quando sai do Vaticano, leva as suas ferramentas pessoais para esse efeito.
São estes homens que exercem diversas profissões na vida das comunidades que ficam na sua memória.
Não é tão internacional como o barbeiro de Sevilha, mas um dia ainda fará a barba a S. Jorge de Alpedrinha.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Maio/2014