GOUVEIA: REENCONTRO COM O MEU PROFESSOR DE FILOSOFIA

 

Há quase um século viu a luz do mundo em Fiães (Trancoso), no dia 23 de Março de 1923, juntando-se a oito irmãos. Começou a idade escolar dois anos mais tarde do que o previsto, devido ao abandono por doença da Professora nomeada.

Aos treze anos, obteve o exame da 4ª classe, com a firme ideia de seguir para o Seminário Menor do Fundão, o que aconteceu em 1937.

Durante cinco anos estudou no Fundão, regressou ao Seminário Maior da Guarda, onde frequentou durante três anos o Curso de Filosofia e quatro anos o de Teologia.

 Em 2 de Abril de 1949, foi ordenado presbítero na Igreja de Nossa Senhora da Conceição na Covilhã, por esse grande bispo, no corpo e na alma, D. Domingos.

 Na sua aldeia natal, aguardou por novas ordens durante dois meses, a fim do Bispo Diocesano lhe indicar uma Paróquia. Nesses tempos, a Diocese da Guarda estava repleta de clérigos e era necessário que morressem alguns ou saíssem para outras dioceses ou para capelães militares, para haver vagas nas Paróquias. Não há fome que não dê fartura e vice-versa, como acontece nos nossos dias.

Esse tempo, ocupava-o em pequenos trabalhos agrícolas. Depois de assistir à Missa às cinco da manhã seguia para o campo. Além das actividades campestres, também se ocupava dos objectos sagrados, reuniões de catequese, cânticos litúrgicos, organização de pequenos teatros populares.

Ao fim de dois meses, chegou-lhe a nomeação para a Paróquia de Lagarinhos (Gouveia), e no final do ano, em Outubro, foi-lhe entregue a Paróquia de Rio Torto: “em Lagarinhos mantive a residência paroquial, mas fui viver para Rio Torto. Ali tive um problema grave de saúde e tive de adiar a Festa em Honra de Santa Eufémia, Padroeira da Paróquia, o que muito me custou, porque amava o Povo Cristão, era um filho desse mesmo Povo”.

Construiu Igrejas e capelas, restaurou altares, foi para o Rio carregar os carros de bois para transporte de areia, para os templos de orações e de liturgias. Um Homem e um padre de acção, de trabalho, nunca à espera de milagres que caíssem do céu. A palavra passividade não fazia parte do seu dicionário apostólico.

Na Escola Apostólica de Cristo Rei, já conhecia e convivia com o seu irmão António Coelho, motorista da casa, que nos levava para a Garagem a céu aberto da Camionagem dos Hermínios, para a estação da C.P. em Ribamondego, antiga povoação chamada Cabra, para a Guarda a fim de seguirmos de férias para junto dos nossos pais.

No tempo de estudo, levava-nos com o Dr. João Castro Nunes para as escavações romanas em Arganil, para os castros de Folgosinho, para os Dólmens do concelho de Seia, para o Museu Grão Vasco ou para as Igrejas de Oliveira do Hospital. Eram lições de História Universal ao vivo e participativas. Como eu gostava tanto de História! Os nossos professores eram mestres, dedicados ao ensino e aos alunos. Tantas saudades desses tempos!

Passado quase meio século, reencontrei na Páscoa passada o Senhor Padre José Coelho, com 95 anos, na mesma Escola onde me transmitiu conhecimentos de Filosofia durante dois anos. Enquanto o Irmão António Coelho nos transportava por caminhos arqueológicos, o seu irmão Padre José Coelho levava-nos por caminhos filosóficos: Descartes, Platão, Aristóteles, Sócrates… Eram caminhos mais difíceis de calcorrear…

Em Março fez noventa e cinco anos e em Abril as bodas de ouro de sacerdote. É o segundo padre mais velho da diocese e actualmente ainda ajuda um ou outro sacerdote que necessita dos seus préstimos. Ainda ali está para as curvas, aquele HOMEM de oração.

Na Escola Apostólica de Cristo Rei, espaço tão familiar, ensinou durante muitos anos, ali tem o seu refúgio, o seu aconchego, este amigo solidário das Irmãs da Casa Rainha do Mundo e do Padre Jacob, seu aluno, dos Missionários de São João Baptista.

As obras realizadas por este simples Pároco mereciam ser descritas num grande livro. No que me toca, foi um grande, competente e dedicado Professor de Filosofia, só a lamentar eu ter sido um fraco aluno.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2018

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