Hino à natureza

Irmão Sol, a obra das obras, o primeiro momento de uma criação divina foi o teu fiat consentido ao brilho de Deus. O teu primeiro raio rasgou a escuridão com a força da luz e o homem que era barro tornou-se carne e o mundo que era escuro teve um parto de luz vendo-se a terra inteira de repente como filha pródiga de um raio de luz. Quando está escuro só tu brilhas, quando está frio tu aqueces, quando o mundo anoitece a esperança num novo dia com o teu brilho faz com que este durma tranquilo e desperte. Irmão, também tu conheces Deus?

Porque ele faz exatamente o mesmo comigo e com os outros nossos irmãos, o véu do templo rasgou-se no momento da dor mas tu rasgas-te no momento da ressurreição, no momento em que um Deus deixando a sua condição divina rasga o teu seio e deixando o sepulcro conforta os que correm para ele.

Naquele dia os nossos irmãos Pedro, o João a Maria Madalena correram para o sepulcro buscando notícias, as novas, as boas novas mas ao chegar lá não encontraram ninguém, o Senhor esperava-os na rua, no meio do mundo. Quem vive para o sepulcro não encontra nada, mas quem procura no mundo encontra Deus, ele que deixou a escuridão daquele buraco para procurar a tua luz irmão sol. O Deus Criador olha a sua criatura de frente, toma o sol nas suas mãos e pergunta que sentido terá a Vida no meio dos mortos.

Maria fica assustada mas sabe que o Senhor é o Deus da Luz, o teu Deus irmão Sol! Exupéry um dia disse “é o mesmo sol que derrete a cera que seca a argila” parece que este quis mostrar a tua indiferença face aos meus irmãos, parece que não fazes nada e que tudo acontece, parece que não te rasgas em mil raios para que o Homem no escuro não tropece em alguma pedra, parece que não estás ali em cima olhando por nós rindo-te das nossas asneiras como um irmão que se compadece e que dá luz e que ilumina mesmo aqueles que só sabem correr para os sepulcros.

No fundo do mar está escuro, no cimo dos céus também, mas no meio do mundo não, talvez só aí nos seja pedido para sermos cristãos, no momento da luz. Como és belo irmão! Fruto das mãos do Senhor, coração de cera que te sabes dar aos outros em todo o teu esplendor! Um relógio de sol na sombra não dá horas, não marca o tempo como se fosse dono dele, mas tu, indiferente à sombra dás-lhe a luz que espreguiça e que faz acordar e fazes de uma escura noite um belo dia!

Mário Silva

Foto: Arquivo/Almeida