II – Domingo do Advento

“Uma voz clama …”

 

            O evangelho de domingo passado situou o Advento e o Natal na perspectiva da segunda vinda de Jesus, no fim dos tempos. O texto de hoje descreve-nos o início da missão de João Baptista. Como Precursor, prepara o povo de Israel para acolher Jesus, que, por sua vez, também está prestes a começar a sua missão. Este texto aponta-nos para a vivência do Advento e Natal, não tanto como celebração do nascimento de Jesus na gruta de Belém, mas, muito mais, na atitude de quem, em cada dia, O espera e O acolhe, convertendo-se a Ele e deixando-se transformar por Ele.

            Lucas situa a missão de João no coração da história dos homens e, muito concretamente, do império romano. A Palavra de Deus foi dirigida a João “no décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério”, o que equivale ao ano 28 dc. Lucas refere ainda os governadores romanos da região e o nome de dois sumos-sacerdotes judeus. Esta moldura histórica confere maior credibilidade a João e à sua missão. Por sua vez, o cenário do império romano, do qual faziam parte os mais diferentes povos, deixa entender que a palavra de Deus, primeiro pregada por João e, pouco tempo depois, por Jesus, há-de chegar a todos esses povos, a Roma e até aos confins da terra.

            “Foi dirigida a palavra de Deus a João”. Esta expressão, comum nos livros proféticos, mostra João como um verdadeiro profeta de Deus. João não fala em seu nome ou por sua própria iniciativa. Recebe de Deus a palavra que deve proclamar. Através dele, é Deus que fala ao povo. Ele empresta a sua voz para que Deus se faça ouvir. E o objectivo de Deus é levar os judeus ao arrependimento, condição para alcançarem a remissão dos pecados.

            “Uma voz clama …” No deserto, na zona do rio Jordão. O deserto é a terra do nada e do silêncio. O lugar privilegiado para o homem escutar com os ouvidos do coração. O rio tem a capacidade de transformar o deserto em terra fértil, de fazer surgir a vida na terra da morte. Quem, no deserto, escuta interiormente a palavra de Deus e se deixa tocar por ela, renasce para uma vida nova. Como a água do rio faz do deserto uma terra de vida, uma terra nova, assim também a palavra de Deus, quando recebida no coração, faz do homem uma nova criatura.

            “Uma voz clama …” Repetindo as palavras do profeta Isaías, João exorta os seus contemporâneos a preparar o caminho do Senhor que está prestes a chegar. No passado, quando o povo estava para deixar o exílio da Babilónia, o profeta exorta a que se prepare o caminho, através do deserto, uma vez que Deus vai acompanhar o povo no regresso à cidade santa.

            Agora, o caminho e o deserto são o homem. Jesus quer percorrer o caminho do homem para lhe mostrar o caminho da verdade e da vida que conduz a Deus. Ao homem, privado da vida de Deus pelo pecado, também se pode aplicar a imagem do deserto. E Jesus quer passar pelo deserto do homem, para fazer renascer nele a vida de Deus.

            “Uma voz clama …”, convidando-nos a preparar o caminho do Senhor, para que o Senhor chegue à nossa vida; a abater os montes e as colinas que existem em nós e nos impedem de ver e de nos aproximarmos de Deus e das outras pessoas; a endireitar os caminhos tortuosos das nossas relações humanas e da nossa vida moral e espiritual; a altear os vales cavados pelo pecado, pelos ódios e intolerância, pelas injustiças e desigualdades sociais, de modo a restituir a dignidade a todos os que são vítimas dessas situações.

            Mais em concreto, a palavra de Deus convida-nos a abater os montes do nosso egoísmo, que nos leva a secundarizar Deus e a considerar os outros inferiores a nós, com todas as consequências perversas que isso traz à nossa vida pessoal e ao nosso existir em sociedade. Abatendo o egoísmo, o homem poderá conhecer-se na realidade do que é, reconhecer as suas limitações e necessidades, tomar consciência de que depende de Deus e precisa dos outros. Então, colocará Deus no centro da sua vida e tratará os homens como irmãos.

            Abatendo o seu egoísmo, deixando de olhar só para si, o homem conseguirá ver Jesus que vem, ou melhor, dará conta que Ele já está presente, e n’Ele conseguirá ver “a salvação de Deus”. A nossa preocupação não deve ser a de quem espera alguém que está para chegar, mas a de usufruirmos a presença de quem já está realmente no meio de nós.