“Abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras”
Ao sepulcro vazio, seguem-se as aparições de Cristo ressuscitado. A ressurreição teve lugar no silêncio da noite. Ninguém testemunhou aquele momento. Por isso, Jesus aparece, por diversas vezes, aos apóstolos e a muitas outras pessoas. Jesus dá-lhes a oportunidade de O verem e ouvirem, de O tocarem e conviverem com Ele, de modo a dissipar todas as possíveis dúvidas relativas à sua ressurreição.
No episódio de hoje, Jesus começa por mostrar as mãos e os pés, onde são bem visíveis os sinais da crucifixão. Pede-lhes para tocarem e verem. Insiste: “sou Eu mesmo”. “Não estais a sonhar nem alucinados e Eu não sou um fantasma nem um espírito”. Depois, para dar maior credibilidade às suas palavras e consistência à visão dos apóstolos, Jesus come uma posta de peixe assado. É algo de muito concreto e familiar. Como se isso não bastasse, Jesus abre o entendimento dos apóstolos para compreenderem que tudo quanto estava a acontecer era, afinal, o cumprimento da Escritura. A Escritura constitui, para aqueles que a aceitam como livro sagrado, uma prova poderosa da ressurreição de Jesus.
Jesus já lhes tinha dito que toda a Escritura (Lei, Profetas e Salmos) falava d’Ele e que tudo tinha de se cumprir. Agora, concretiza que “está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia”. Por conseguinte, se os apóstolos tivessem entendido a Escritura não teria experimentado tantas dificuldades em compreender e aceitar a realidade e o mistério da morte e ressurreição. Pelo contrário, teriam concluído que Jesus não podia não ter ressuscitado dos mortos.
“Abriu-lhes o entendimento”. A luz da ressurreição e o Espírito Santo que Jesus lhes comunica, logo na primeira aparição (Jo 20,22), dão aos apóstolos uma nova capacidade para entenderem a Escritura, ou seja, para nela descobrirem os desígnios de Deus e o mistério de Cristo. A ressurreição, qual final feliz da história de Cristo e da história da salvação, permite uma perspectiva abrangente e plena do todo da Escritura. Quem olha para o caminho que percorre desde a perspectiva do ponto de partida ou de cada etapa a que vai chegando, tem uma visão diferente, mais limitada e imprecisa, do que quem olha o mesmo caminho depois de ter chegado ao fim e desde a perspectiva da meta.
Algo semelhante acontece com a Escritura. Quem percorre/lê a Bíblia, sem a perspectiva da ressurreição e uma visão de conjunto, tem imensa dificuldade em entender o sentido de muitos textos bem como de captar a presença e acção de Deus em muitos dos acontecimentos que eles narram. Porém, à luz da ressurreição, é possível descobrir a lógica e o fio condutor de toda a revelação e a coerência do amor de Deus que atravessa toda a história humana. A luz da ressurreição, ver tudo a partir do seu pleno cumprimento, permite ter uma justa percepção das promessas, dos anúncios e das figuras do Antigo Testamento. E ainda atingir por dentro o significado e o alcance de tudo o que Jesus disse e fez. Na verdade, como os evangelistas registam e confirmam, os apóstolos, em muitos casos, só depois da ressurreição de Jesus, compreenderam o que Ele quis significar e ensinar com as suas palavras, as suas obras e os seus sinais.
“… para compreenderem as Escrituras”. E depois de compreenderem a Escritura no que Lhe diz respeito, Jesus quer que os apóstolos preguem “em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações”. São João lembra que Jesus “ é a vítima de propiciação pelos nossos pecados …” (segunda leitura). Por sua vez, Pedro, na fidelidade à missão recebida, exorta os seus ouvintes: “arrependei-vos e convertei-vos para que os vossos pecados sejam perdoados” (primeira leitura). A missão dos apóstolos consiste, por um lado, em levar as pessoas ao arrependimento e, por outro, em perdoar efectivamente os pecados dos homens. “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados” (Jo 20,23). A remissão e o perdão dos pecados são o grande e admirável dom que nos vem da morte e ressurreição de Jesus. E é neste perdão que nós experimentamos a força transformadora do amor misericordioso de Deus. O perdão de Deus recria, renova e liberta completamente o homem. Faz de nós homens e mulheres ressuscitados!
Pe. José Manuel Martins de Almeida
Foto: Casa da Música na cidade do Porto (HM)