III – Domingo da Quaresma
“Julgais que eram mais pecadores …?”
Está completamente enganado quem ainda pensa que o mal que acontece aos outros é castigo de Deus pelos seus pecados. Jesus diz claramente que os homens que Pilatos mandou matar não eram mais pecadores do que os outros galileus. Eles foram mortos por Pilatos, não por serem pecadores, como se Pilatos fosse um instrumento de Deus para os punir pelos seus pecados, mas porque Pilatos era um homem cruel e sanguinário.
Do mesmo modo, os dezoito homens, que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou, não eram mais pecadores do que os outros habitantes de Jerusalém. Eles morreram não por serem pecadores. Deus não se serviu da queda da torre para os castigar, muito menos provocou a sua queda com esse objectivo. Eles morreram pura e simplesmente porque a torre lhes caiu em cima. Estavam no lugar errado à hora errada!
Passados dois mil anos, impressiona que muitos cristãos ainda continuem a pensar mal de Deus, responsabilizando-o por males que têm outra origem e outros responsáveis. É anacrónico, mas ainda existem cristãos que continuam a fazer juízos, profundamente injustos, em relação a terceiros, atribuindo-lhes a responsabilidade moral pelos males que sofrem. Esses ainda não conhecem nem acreditam no verdadeiro Deus, o Deus do amor. Este Deus não gasta o seu tempo nem se cansa a vigiar os homens e a pensar como há-de castigá-los pelas suas transgressões. Pelo contrário, tudo faz para que o homem se converta e, assim, o possa perdoar.
“Se não vos arrependerdes, morrereis todos …” Deus não “mata” os homens pelo facto de serem pecadores. No entanto, o pecado do homem pode levá-lo à morte eterna. Mas mesmo esta morte, este viver eternamente privado do amor de Deus não é propriamente uma punição de Deus. Antes, é a consequência lógica da opção do homem de viver sem Deus ou contra Ele. Porém, se o homem se arrepende e retoma o caminho de Deus, a sua vida desembocará na vida eterna de Deus
Através da parábola da figueira, Jesus concretiza que o pecado que coloca o homem fora do âmbito da vida e do amor de Deus é o de não fazer frutificar os dons que d’Ele recebeu. Os dons (talentos, capacidades, carismas) que Deus nos concede visam a nossa realização pessoal e o cumprimento da nossa missão na terra. Isso significa que são bens que devemos investir positivamente ao serviço do bem comum, do progresso e desenvolvimento da sociedade, sempre em sintonia com os desígnios de Deus.
O homem pode cair numa dupla tentação. Por um lado, por comodismo ou negligência pode nem sequer se aperceber dos dons que tem ou, então, não fazer uso deles. Por outro lado, pode investir esses talentos ao serviço do mal. Quantos não usam a sua inteligência e o seu “engenho” ao serviço da guerra, da destruição e da morte; ou do roubo, da fraude e da corrupção; ou ainda, ao serviço da perversão moral e das injustiças sociais?!
Quando o homem age assim, inutilizando os dons recebidos, Deus sente-se desiludido com ele, tal como o agricultor que não encontrou frutos na figueira. E tal como aquele agricultor, Deus também não desiste logo do homem. Pelo contrário, Deus continua a interpelar e a manifestar-se ao homem, fazendo-lhe ver as vantagens de voltar para Ele e de O aceitar como seu Deus.
Quando não produzimos frutos, ou seja, quando não correspondemos aos dons de Deus e às suas legítimas expectativas a nosso respeito, deixamos de merecer o tempo da vida e o lugar no mundo que Deus nos dá, como a figueira que ocupa “inutilmente a terra”. Nestas circunstâncias, como que estamos a tirar o tempo e o lugar a outra pessoa, que os aproveitaria melhor do que nós!
Se não der fruto, “mandá-la-ás cortar no próximo ano”. O nosso próximo ano pode já ser este ano ou até mesmo estes dias e estes momentos que estamos a viver. Aliás, já há muitos anos que Deus nos dá mais um e mais um … Aproveitemos, pois, este tempo presente … É verdade que o amor e a paciência de Deus não têm limite. Mas também é verdade que é limitado o tempo da nossa vida na terra. Por isso mesmo, não o devemos desperdiçar. Deus, por mais que queira salvar-nos, respeita sempre a nossa liberdade, o caminho que escolhemos, as opções que fazemos. Na verdade, “diante do homem estão a vida e a morte; o que ele escolher, isso lhe será dado” (Sir 15,17).
Pe. José Manuel Martins de Almeida