O Espírito Santo, que já tinha descido sobre Jesus no dia do Seu baptismo, impele-O, agora, para o deserto. Este facto mostra que a estadia de Jesus no deserto é mesmo necessária e querida por Deus. Antes de começar a proclamar o Evangelho, Jesus deve passar por um retiro de quarenta dias. Neste período, em que tem do seu lado o Espírito Santo e os Anjos e contra si os animais selvagens e Satanás, Jesus fortalece a sua comunhão com Deus, perscruta e penetra mais profundamente no mistério e alcance da sua missão junto dos homens, enfrenta e vence os perigos e as tentações mais radicais da vida.

No deserto, Jesus tem como companhia os animais selvagens e recebe a visita de Satanás. Aqueles representam as ameaças e adversidades, a oposição e perseguições que Jesus vai encontrar da parte dos homens no decurso da Sua missão. Por sua vez, Satanás submete Jesus a diversas tentações. Satanás quer que Jesus rompa com Deus, que se sobreponha a Ele, que O subordine à riqueza e ao poder, que O ridicularize ou instrumentalize exigindo-Lhe milagres desnecessários, que se recuse a fazer a Sua vontade.
Porém, Jesus, no silêncio e recolhimento do deserto, em oração constante e diálogo íntimo com o Pai, iluminado pelo Espírito e assistido pelos Anjos, vence todas as tentações e derrota Satanás. Jesus conserva a Sua lucidez, mantém toda a sua confiança em Deus e permanece-Lhe fiel. Jesus mostra que a palavra de Deus vale mais do que os bens materiais; servir a Deus vale mais do que dominar o mundo e os homens; fazer a vontade de Deus é mais digno e traz mais vantagens do que tentar submeter Deus aos caprichos pessoais.
Concluída a experiência espiritual do deserto, Jesus dá início à Sua missão. Parte para a Galileia, anuncia a Boa Nova do Reino, convida os ouvintes a converterem-se e a acreditarem no Evangelho. Este anúncio e convite, que escutámos e meditámos recentemente (Domingo III do Tempo Comum), são-nos dirigidos de novo, no início da Quaresma. Também hoje, na nossa terra e no seio da nossa comunidade, com o mesmo entusiasmo e a mesma vivacidade, Jesus faz ouvir a Sua palavra e torna presente o Reino de Deus; também hoje, com o mesmo amor e compaixão, Jesus quer sensibilizar o nosso coração, a fim de suscitar em nós um sincero arrependimento e uma autêntica conversão a Deus. Para O escutarmos e nos encontrarmos com Ele, Jesus não nos obriga a recuar na história. É Ele que vem até nós e ao nosso presente, até ao lugar onde habitamos e ao hoje da nossa vida!
Escutar a Boa Nova de Jesus e acolher Jesus como a Boa Nova de Deus, acreditar no Evangelho e viver em sintonia com ele, eis a tarefa e o compromisso que devemos assumir e concretizar sempre, mas sobretudo neste tempo favorável da Quaresma. Este é o caminho seguro da nossa conversão e renovação pessoais. E não pode ser diferente o caminho da conversão e renovação da Igreja.
“Impeliu Jesus para o deserto”. O Espírito Santo também nos impele e inspira a viver, durante esta Quaresma, a espiritualidade do deserto. O deserto, terra do nada e do silêncio, ajuda-nos a entrar dentro de nós e a olhar o que somos no mais íntimo de nós mesmos; a escutar as vozes interiores e a perscrutar as nossas aspirações, os nossos temores e os nossos sonhos existenciais; a tomar consciência da nossa fragilidade, de que não nos bastamos nem somos felizes sozinhos; a descobrir que precisamos dos outros e de Deus. Sim, o deserto, a terra do nada e do silêncio, ajuda-nos a descobrir e a sentir Deus como o tudo da nossa vida e, consequentemente, a acolhê-lo e a escutar a Sua palavra.
O deserto, terra do nada e do silêncio, oferece também ao nosso olhar ilimitados horizontes que nos permitem sonhar e vislumbrar que, para além dele, existe uma terra prometida, uma terra de abundância, onde habitam homens felizes. Por sua vez, a contemplação da imensidão dos Céus eleva o nosso espírito para as alturas e faz-nos sonhar que existe, para além da terra limitada e contingente, um outro mundo – uma pátria nova e definitiva. O deserto não é apenas terra do nada e do silêncio. Ela é, muito mais, terra de descobertas e de encontros, onde o homem é mais patente a si mesmo e Deus mais audível e visível ao homem – é terra de sonhos e de esperança.

Pe. José Manuel Martins de Almeida