IV – Domingo Comum

“Seguiu o seu caminho”

 

            “Cumpriu-se hoje mesmo …” Como vimos no domingo passado, Jesus surpreende os seus concidadãos ao dizer-lhes que, n’Ele e naquele “hoje”, se cumpre a passagem de Isaías que Ele acaba de proclamar. Muitos dos presentes ficam maravilhados com as palavras de Jesus. Nelas transparece uma sabedoria e uma graça que têm algo de divino. O que Jesus diz e promete realizar constituem uma absoluta novidade, fazendo d’Ele um Mestre diferente de todos os outros, quer do passado quer contemporâneos. Além disso, devem ter ficado agradados com a ideia de um mundo em que sejam eliminadas todas as formas de injustiça e de miséria humanas.

            Porém, muitos dos seus conterrâneos não dão crédito a Jesus. Fixam-se no facto de ser filho de José, um simples carpinteiro, um cidadão comum, sem qualquer protagonismo ou estatuto em Nazaré. O próprio Jesus, até àquele momento, nunca emergiu em nada no contexto social e religioso da sua cidade. Não tem formação religiosa especial nem pertence a nenhum grupo religioso (saduceus, fariseus e doutores da lei). Deus não pode escolher um homem sem “curriculum” para uma missão tão extraordinária – o cumprimento daquela passagem central da Escritura.

            Esta reacção manifesta a inveja e a tacanhez de espírito de quem não suporta que um vizinho ou alguém da terra possa destacar-se pelas suas capacidades e qualidades, pela sua sabedoria e obras. Custa-lhes a aceitar que Alguém, que parece ser igual a todos os outros, seja distinguido de modo tão singular pelo próprio Deus. Alguns, sobretudo os fariseus e os escribas, olham para Jesus como uma ameaça. Pressentem que a Boa Nova do Reino de Deus, que Ele anuncia, põe em causa as doutrinas que ensinam, as leis que impõem, a autoridade que têm, os privilégios que gozam. Só lhes resta desacreditar Jesus, para que ninguém o tome a sério e tudo possa continuar na mesma.

            Jesus sente a mágoa da rejeição e reage com frontalidade. “Vós pensais que eu estou louco (doente) e que devo tratar de mim, antes de ensinar e tentar curar os outros. Quereis que eu faça milagres aqui, na nossa terra, diante de vós. Mas vós sabeis que eu fiz muitos milagres em Cafarnaum e nem por isso acreditais em mim. A vossa atitude situa-se na linha do que fizeram os vossos antepassados em relação aos verdadeiros profetas. Estes parecem condenados a não ser compreendidos e aceites pelos da sua terra e do seu povo, encontrando, tantas vezes, melhor acolhimento entre os pagãos, como aconteceu com Elias e Eliseu. Sei que não posso esperar sorte diferente”.

            Na verdade, Elias socorre uma viúva de Sarepta de Sídon (1Re 17,8-16) e Eliseu cura um sírio leproso (2Re 5,1-19). Realizaram em favor daqueles estrangeiros o que não puderam realizar em favor das viúvas e leprosos de Israel, precisamente porque não os reconheceram como enviados de Deus. Ao referir a experiencia de Elias e Eliseu, através dos quais Deus chega à vida dos pagãos e estes acreditam nele, Jesus assume que algo de semelhante acontecerá consigo. Também Ele conhecerá – já está a experimentar – a rejeição e oposição dos seus concidadãos. Porém, a sua missão, muito mais do que a dos profetas, não se cingirá ao povo de Israel. A Boa Nova de Deus será anunciada em todos os povos. Deste modo, manifesta, desde o seu início, a universalidade da sua missão. E revela também que toda a sua missão estará marcada pelo signo da paixão e da cruz.

            “Seguiu o seu caminho”. Jesus não deixa que a fúria e a armadilha dos seus concidadãos O impeçam de prosseguir a sua missão. Seguro de si e sem medo, Jesus enfrenta-os e avança no seu caminho. Muitos outros, homens e mulheres, pobres e oprimidos, cativos e excluídos, publicanos e pecadores, multidões de pessoas cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, esperam por Ele e Ele não pode deixar de ir ao seu encontro e tornar presente no “hoje” das suas vidas o amor misericordioso e libertador de Deus. Jesus “segue o seu caminho”, porque é necessário que n’Ele se cumpra tudo o que está escrito a seu respeito “em Moisés, nos profetas e nos Salmos” (Lc 24,44), ou seja em toda a Escritura. Também o que se refere à sua morte e ressurreição. Jesus deve seguir em frente para chegar até ao fim do seu caminho/missão, e, desse modo, ser o Caminho para todos aqueles que procuram a salvação de Deus.

 Pe. José Manuel Martins de Almeida