MORREU UM HERÓI!

A notícia apareceu no rodapé dos noticiários da televisão pública, houve um comentário da Presidência da República, e foi ignorada nos restantes órgãos de comunicação social.

A seguir ao 25 de Abril conheci-o pela sua voz e acção na sociedade portuguesa, na luta pela integração e valorização dos Deficientes das Forças Armadas.

Ninguém melhor que José Arruda conhecia os problemas, as indiferenças, os desprezos para com aqueles que participaram na Guerra do Ultramar e regressaram com deficiências, com dores físicas e psicológicas, que o tempo não faz esquecer nem apagar.

Nos meus mais de dois anos de serviço militar na Guiné-Bissau, partilhei muitas vivências com militares que sofreram as agruras da guerra.

Nos anos noventa, através de António Garrido, responsável pela Delegação Distrital de Castelo Branco da ADFA, conheci pessoalmente o Presidente Nacional da referida Associação, José Arruda. Criou-se entre nós uma grande empatia e ouvia e lia atentamente as intervenções que este militar ao longo da sua vida fez pelos direitos dos Deficientes das Forças Armadas, muitas vezes através do Órgão Oficial daquela Instituição – “O ELO”.

Em duas das suas deslocações a Castelo Branco partilhámos opiniões, refeições e convívio fraterno.

José Arruda, mártir de uma guerra inútil, ficou invisual e sem mãos. Os dedos foram-lhe substituídos por uma aparelhagem colocada pelos serviços de saúde militares na Alemanha, especialistas em recuperações motoras.

Enquanto observava a sua vontade de viver, de caminhar, apesar de tantas limitações, lembrei-me das leituras do livro com o título “A VIDA SEM LIMITES “, de Nick Vujicic, que nasceu em 1982, tetraplégico, sem pernas e sem braços. Um lutador das vicissitudes da vida que conseguiu obter duas licenciaturas, uma em Economia e outra em Planeamento Financeiro, além de percorrer o mundo dando palestras como orador motivacional, ajudando muitas pessoas com o seu exemplo de superação. Vem a propósito referir a introdução do seu livro: “poderás deparar-te com tempos difíceis. Poderás cair e sentir que não tens forças para te levantar… A vida nem sempre é fácil, mas quando superamos desafios, tornamo-nos mais fortes e mais gratos pelas nossas oportunidades. O que realmente importa são as vidas que tocas e a forma como acabas a tua caminhada…” Também no primeiro capítulo se lê: “se não consegues alcançar um milagre, transforma-te num.” No último capítulo lemos: “faz da dádiva a tua missão.”

Nestas pequenas passagens está expressa a militância de José Arruda, Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas.

Num dos nossos primeiros contactos pessoais, à despedida perguntou-me: ”se lhe aparecesse um deficiente a solicitar trabalho e se estivesse na sua mão a possível admissão, como reagiria?”

Olhei para dentro de mim e de imediato lhe disse que o aceitaria nos meus serviços e que iria trabalhar mediante as suas aptidões e nas condições próprias. Para um deficiente deve haver sempre uma ocupação válida. Deu-me um abraço.

Aguarda-se que se cumpram as causas da justiça, do bem-estar dos militares e suas famílias que sofreram os malefícios da guerra… Que a memória do Comendador José Arruda não seja esquecida.

Os militares portugueses e o grande número de vítimas directas ou indirectas da Guerra do Ultramar acabam de perder um homem altruísta e de exemplar mérito. Um HERÓI que venceu e convenceu a vencer muitas batalhas. Só a batalha da morte física ninguém consegue vencer e, por esta razão, nunca se devem esquecer estes heróis.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2019