O GUARDIÃO DO TEMPLO – HIGINO DA SERRA CRUZ
Higino da Serra Cruz nasceu no Louriçal do Campo em 1945, filho de Tomaz da Cruz e Antónia Ribeiro. O pai trabalhava à jorna em trabalhos agrícolas, com remunerações miseráveis, de sol a sol.
Com a família a crescer – dez filhos-, o pai foi à procura de emprego nas Minas da Panasqueira. Falou com um dos capatazes que o encaminhou logo para o interior das minas, onde esteve doze anos. Caminhava com um gasómetro, com martelos a seco, vibráteis, abrindo frechas na rocha para desenterrar o volfrâmio e outros minérios, a muitos metros de profundidade. Durante oito horas, às vezes mais, num trabalho de turnos, era nas galerias sombrias, húmidas e tristes que habitava: ali comia, ali arrancava com suor, lágrimas e doenças (outros com a própria vida), o sustento para o seu numeroso agregado familiar. Tantos Mineiros amortalhados, deixando as mulheres viúvas e os filhos órfãos… Eram as Minas da Ira em paisagens silenciosas.
No Inverno, eram autorizados a trazer umas velhas pranchas de madeira para aquecer as lareiras das suas pobres casas. Antes da oferenda, tinham que se apresentar enlameados e suados diante dos patrões para uma rigorosa revista.
Higino da Serra Cruz, filho mais velho, fez o exame da 4ª classe, tendo como professor primário Joaquim Alves Mendes, com profundas raízes familiares na Bismula (Sabugal), que se deslocou para Aldeia de Joanes (Fundão), a fim de trabalhar na Firma Lambelho e Ramos, Lda.
Na década de sessenta, com a crise nas Minas e a febre do ouro negro a arrefecer, o pai foi despedido, a par de muitos companheiros, a começar pelos mais doentes, fragilizados e velhos.
Antes eram despejados na Estação da C.P. do Fundão para serem tratados em Lisboa, onde muitos morriam de silicose e tuberculose.
Perante este cenário negro, os familiares não hesitaram em pegar no pobre espólio, com o apoio de Higino da Serra Cruz, para regressarem aos arrabaldes do Fundão, aproveitando aí a residência de alguns familiares.
O pai, passados alguns anos, faleceu com a doença da silicose, na Festa em Honra de Nossa Senhora do Amparo em Aldeia de Joanes. Tinha 52 anos…
Higino da Serra Cruz fez uma longa caminhada profissional, militar, política e de voluntariado em muitos serviços na Paróquia de Aldeia de Joanes.
Em termos profissionais, trabalhou mais de quarenta anos com madeiras, nas Firmas Lambelho e Ramos, Lda., nas Mobílias do Fundão, na REMA e nos Móveis Lindeza. Começou como carregador de tábuas até à arte de carpinteiro, marceneiro e montador de móveis.
No serviço militar obrigatório, não olharam para a sua profissão e, depois da recruta no BC6 de Castelo Branco, foi para Lisboa, para Caçadores 5 tirar a especialidade de radiotelegrafista.
Mobilizado para a Guiné-Bissau, foi reforçar a zona sul daquele território, Cufar, Catió, e deram-lhe para as mãos canhões sem recuo 5,7. Teve muitas vezes a morte à vista.
Sempre se interessou pela dedicação à paróquia de Aldeia de Joanes, onde foi catequista e colaborador nas actividades religiosas.
À época, o Padre Ferraz nomeou-o sacristão, missão que tem vindo a desempenhar até aos dias de hoje.
É colaborador voluntário na Cáritas Paroquial, exerce o ministério da comunhão, é tesoureiro da Irmandade de São Vicente e Almas. Segundo uma catequista, é para todos “o 112 da Paróquia de Aldeia de Joanes”. Sempre atento a todas as situações, transcende muito a sua missão de sacristão: é preciso um escadote e lá está o Sr. Higino, é preciso um casaco para uma criança na catequese e lá está Sr. Higinio, é preciso abrir portas para diversas actividades e lá está o Sr. Higino, é preciso fazer a celebração da Palavra no Retiro das Crianças e lá está o Sr. Higino. Este Homem solidário está sempre disponível, não mostrando nunca má vontade.
Exerceu, ainda, o seu direito de cidadão, pertencendo por diversos mandatos à Assembleia de Freguesia de Aldeia de Joanes, pugnando pelo benefício da aldeia.
Faltam padres nas Paróquias, mas o Higino da Serra Cruz ainda é um dos guardiões do templo, um sacristão que ainda toca o sino com melodias acertadas e a horas…
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Setembro/2018