POBRES AGRICULTORES…QUE MAIS LHES IRÁ ACONTECER?

Numa tarde muito quente, em frente à porta principal da Zona Agrária da Direção Regional de Agricultura e Pescas, estão concentrados uma centena de agricultores, de rostos queimados pelo sol e mãos bem calejadas.

Quem passa interroga-se: será uma manifestação de pequenos e médios agricultores? Esta hipótese é, no entanto, logo descartada: como não se veem enxadas, forquilhas, encinhos, foices; como não há pacotes de leite, maçãs para distribuir ou pipos de vinho para despejar na rua; como não há altifalantes…

Um senhor tira fotografias, alguém pensa que é um jornalista, mas afinal não passa de um fotógrafo curioso, talvez para mais tarde colocar as “chapas” na sua montra virtual – o facebook.

As dúvidas avolumam-se, até passar um agricultor com o intuito de esclarecer os cidadãos interessados. Diz que foram convocados para a realização de uma prova de conhecimentos, condição sine qua non para estar habilitado a aplicar produtos fitofarmacêuticos, prevista no art.º 3 do despacho nº3147/2015 de 27 de Março e no artº18 da Lei nº26/2013 de 11 de Abril para todos aqueles que ousaram ultrapassar a idade de 65 anos. Os mais “novos” são obrigados a frequentar um curso de formação.

A lei está escrita segundo o novo acordo ortográfico, mas nem por isso é mais clara. Na verdade, como é nossa jurisprudência, a lei tem mais interpretações do que a Bíblia, e os vocábulos técnicos maravilhosamente casados com palavras gregas e latinas tudo obscurecem. Os agricultores portugueses, se querem singrar na profissão, têm que passar a ler Aristóteles e Cícero no original, além dos manuais da arte.

Uma senhora passa visivelmente preocupada: “então para dar o remédio às minhas batatinhas, aos feijões e às couves, tenho de fazer exames, eu que nem sei ler nem escrever? Há mais de sessenta anos que amanho a terra… O mundo está perdido.” Cruzes canhoto, benzeu-se e seguiu o seu rumo.

Entrados nas instalações agrárias, uma funcionária, judicialmente aperaltada (afinal o tribunal é ali ao virar da esquina) dá início à chamada individual. Todos entram na sala, onde os espera o exame de “aplicador de produtos fitofarmacêuticos”. A partir desse momento, só Santo Isidoro, o Padroeiro dos Agricultores, pode dar uma ajuda.

Já devidamente sentados, o formador sossega as hostes. Dá as explicações necessárias para que todos deem a resposta certa no teste, tipo americano, com a colocação de cruzinhas: “V de Verdadeira e F de Falsa”. Obrigado pelo esclarecimento!

Pergunta se todos trazem papel e caneta para escrever. Mais de metade não vem municiada com estes instrumentos – para alguns agricultores pesa mais a caneta do que a enxada. Distribuído o material, há que tirar apontamentos para não errar nas respostas às perguntas.

O Professor/Formador explica na perfeição os objetivos desta ação: o uso correto dos produtos fitofarmacêuticos nas explorações agrícolas; identificar o meio de luta mais adequado para determinados problemas; identificar as pragas; interpretar as informações dos rótulos das embalagens; regular os equipamentos de aplicação; efetuar o cálculo de cada dose a aplicar; preparação da calda; enumeração dos procedimentos de limpeza; princípios de proteção integrada; caderno de registo de aplicações; intervalos de segurança; métodos a utilizar com os pulverizadores; destino das embalagens vazias, e outros esclarecimentos complementares,

Ao lado da mesa do formador, são abertas umas cortinas que revelam um perfeito manequim. Equipado com viseira, máscara, fato-macaco branco, botas de borracha e luvas, assusta quase todos presentes, pois lembra mais um agente da judiciária a investigar um crime do que um simples agricultor. Talvez por respeito à tétrica figura, o silêncio instala-se e só o Formador fala diante do “boneco”: “Esta vestimenta é obrigatória a todos os que sejam aplicadores de produtos fitofarmacêuticos, chama-se EPI (Equipamento de Proteção Individual). Quem não a utilizar, sujeita-se a uma coima que vai de 250€ a 3700€”. Obrigado pelo esclarecimento!

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2015

POBRES AGRICULTORES…QUE MAIS LHES IRÁ ACONTECER?