Rev. dos Padres concelebrantes e diáconos,
Irmãos e irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo
1. Estamos a iniciar a Quaresma em Ano da Fé.
Temos à nossa frente 40 dias que queremos viver como sendo um grande retiro, o retiro de todo o Povo de Deus, em que os cristãos e as comunidades cristãs procuram ir à raiz da sua identidade, lembrando e assumindo cada vez mais o estatuto recebido a partir do Baptismo. Por isso, a grande meta da caminhada que hoje iniciamos é renovar com verdade as promessas baptismais na Noite Pascal.
Dissemos que esta é para nós uma quaresma especial, porque vai ser vivida em Ano da Fé. Ora, a Fé remete-nos, antes de mais, para a abertura do coração a Deus, que se revela como Amor verdadeiramente apaixonado e gratuito na Pessoa de Seu Filho Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele que se fez um de nós para nos conduzir para os segredos do grande mistério doa Amor Divino. E a quaresma lembra-nos a necessidade de deixarmos que esse amor divino tome conta de nós, fazendo com que sejamos de verdade criaturas novas, no cumprimento do estatuto de filhos de Deus que nos foi dado no baptismo.
Enquanto filhos de Deus, vamos tentar redescobrir nesta Quaresma que a nossa vida é marcada pela relação vertical que nos abre à comunhão com Deus; mas também pela relação horizontal do amor aos irmãos.
Por isso, quem diz que ama a Deus e odeia os irmãos é mentiroso, nas palavras do Evangelista S. João; mas também quem pretende amar os irmãos sem amar a Deus, abre, de facto, a porta a todas as falsidades, como infelizmente a experiência comum o vem demonstrando.
A Quaresma convida-nos à conversão, entendida como mudança de mentalidade, na forma como compreendemos a nossa vida pessoal, a vida da sociedade e o próprio mundo em seu verdadeiro significado, diante de Deus.
Isso mesmo é o que pretende o Ano da Fé que estamos a celebrar. Ele convida-nos a centrar a atenção no essencial da nossa vida, naquela fonte que lhe dá verdadeiro sentido. E essa fonte do verdadeiro sentido é o próprio Deus revelado em Jesus Cristo, que na Fé nós procuramos conhecer sempre mais, procuramos celebrar cada vez melhor e orientar para Ele a nossa Oração e todos os nossos comportamentos.
Há-de ser, por isso, nossa preocupação fundamental, nesta Quaresma, reforçar a coerência entre a Fé e nosso comportamento moral, ou seja pôr cada vez mais de acordo a nossa relação com Deus e relação com os outros vivida na caridade. E sobre esta relação vale pena ouvir as palavras do Papa Bento XVI, na sua mensagem para esta quaresma, quando diz: “A existência cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus”.
Desta forma, o Papa insiste em que a nossa vida para ser autêntica tem de saber conjugar sempre a contemplação de Deus com a acção voltada para o amor dos irmãos. A verdadeira Fé, que consiste prioritariamente na relação com Deus, desabrocha, por isso, necessariamente em gestos de caridade, na relação com os irmãos.
2. A Palavra de Deus que ouvimos neste primeiro dia da Quaresma e o gesto da imposição das cinzas que a seguir vamos realizar são convite à verdadeira conversão e mudança de vida.
Assim, o profeta Joel diz-nos, antes de mais, qual é a verdadeira penitência que agrada a Deus. Mais do que muitas práticas rituais ou provocadas pela emoção, ela é voltar o coração para Deus e a partir daí ter novas atitudes de amor para com os irmãos. Conseguida esta mudança de fundo, Deus se encarrega de destruir todas as nossas iniquidades e pecados, pois a Sua misericórdia é infinita. Pede-nos, é certo, sempre a nossa colaboração, pela atitude da penitência.
E é de penitência que o Evangelho de hoje também nos fala, quando convida à prática das boas obras, ao jejum e à oração. De facto estas são três práticas que a sabedoria milenar da Igreja sempre recomenda, sobretudo no tempo da quaresma. Pelo jejum, sentimos e professamos que não só de pão vive o homem, mas principalmente da relação amorosa com Deus. Intensificar a oração é deixar que a relação com Deus realmente tome conta da nossa vida, das nossas decisões e seja o critério de avaliação de todas as nossas acções. Por sua vez, as boas obras hão de ser o amor de Deus a desabrochar em caridade fraterna, com especial atenção a situações de maior sofrimento na vida das pessoas. Essa é a razão por que sempre na Quaresma nós fazemos apelo especial à renúncia que cada um de nós deve fazer em favor dos que mais precisam, a renúncia quaresmal.
Convido a que nesta Quaresma todos possamos fazer a experiência do que é verdadeiramente o perdão de Deus e da grande consolação que ele introduz nas nossas vidas, principalmente quando celebramos o Sacramento da Penitência também chamado Sacramento da confissão.
Este é verdadeiramente o tempo favorável, o tempo da salvação a que se refere hoje o Apóstolo Paulo, na II Carta aos Coríntios.
3. Finalmente desejo também, neste primeiro dia da Quaresma, relevar o gesto profético que o Santo Padre Bento XVI teve há dois dias perante os Senhores Cardeais, mas também perante a Igreja e o próprio mundo. A sua renúncia à missão de sucessor do Apóstolo S. Pedro que lhe tinha sido confiada há quase 8 anos foi até agora positivamente comentada em geral quer no interior da Igreja quer na sociedade. É um verdadeiro gesto profético, indicador da coragem com que toda a Igreja deve saber discernir e percorrer os novos caminhos que o Evangelho e a leitura dos sinais dos tempos lhe apontam. Também desejamos ler esta decisão do Santo Padre na clave da Fé, pois, desta forma, ele diz-nos da sua convicção de que só Jesus Cristo é o verdadeiro condutor da Igreja. Todos os serviços dentro dela, mesmo quando se lhes dá o nome de poder, como é o caso do serviço petrino do Papa, só são verdadeiros na medida em que remetem para a presença continuada do Senhor da Igreja e da história no meio de nós. Com este gesto o Papa lembra à igreja e ao mundo que não há outra fonte de poder que não seja o próprio Deus; Deus que vai continuar a orientar a sua Igreja pelos melhores caminhos.
Damos, portanto, nesta hora, abundantes graças a Deus por estes quase 8 anos de um pontificado riquíssimo para a Igreja e para o mundo, como foi o de Bento XVI e rezamos já por aquele que o mesmo Senhor vai escolher para substituir o actual Papa.
Que também este acontecimento possa contribuir para aumentar e tornar mais forte a nossa Fé.
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda