Nada como um opíparo jantar de dez estrelas para nos reconciliar com a Vida. Molière dizia que “bem comido a minha alma de nada quer saber” e Heinrich Böll escreveu que “comer e beber bem mantém a alma e o corpo unidos.”
Unidos estamos agora no Bar para ouvir fados de Coimbra, tocados e cantados por um talentoso utente.
Seguimos para a sala de visitas e metemos todas as “cunhas” para assistir à final da Taça da Liga entre o Vitória de Setúbal e o Sporting numa cidade de Braga engalanada de verde e branco. Quando o Vitória de Setúbal abre o marcador com um golaço do Paciência, todos saltamos de alegria: vitorianos, benfiquistas e portistas. O Vitória joga como equipa grande: pressiona alto, o Sporting não consegue ter bola e as oportunidades sucedem-se. O David está a dar uma lição ao Golias.
Só um penalty infeliz (o guarda-redes estava no caminho da bola para mais uma espectacular defesa) permite a igualdade ao Sporting e, nova infelicidade no desempate final, o jogador do Vitória acerta na barra. A Taça do DAR e VAR vai para Alvalade, mais para regozijo dos seus adeptos que do seu azedo Jesus, um caso único de desproporção entre a folha salarial e os títulos (como é que alguém pode estar de ego cheio quando em três anos com plantéis milionários só ganhou uma Supertaça e uma Taça da Liga?).
O enfermeiro-chefe marca uma reunião para nos esclarecer que há normas a cumprir nesta Casa de Saúde: “em qualquer sociedade humana não há direitos sem deveres nem deveres sem direitos”.
No dia seguinte recebo muitos telefonemas de amigos, familiares e companheiros, além da visita da minha prima Olinda com a sua filha Sara Rio, tão linda como a Mãe. Trazem-me esperança e boa disposição.
Dos “Caminhos Novos” recebo a notícia do falecimento do Padre José Klein na Alemanha, um Homem que me marcou com uma mentalidade avançada, progressista e arejada nos idos anos 60 do século passado. Com ele aprendi muitos valores que esta sociedade monstruosa rejeita. Além de ter fundado um Agrupamento de Escuteiros CNE na Escola Apostólica de Cristo Rei, foi um extraordinário professor e um grande dinamizador da juventude. No mesmo jornal, o amigo e companheiro Padre Carlos Jacob escreve os belíssimos versos: “Não há fronteiras para viver/Neste mapa mundo que nos confiaram/Não vale a pena erguermos muros,/Semear arame farpado!”
Conheço a Dr.ª Joana Siza Vieira, que trabalhou com grandes realizadores do Cinema Português: Manoel de Oliveira (no “Vale Abraão”), Margarida Gil e João César Monteiro (na “Relação Fiel e Verdadeira”) ou António Campos (na “Terra Fria”). Diz-me, e concordo, que a fronteira é ténue entre o que é normal e o que é anormal.
Uma menina de cinco anos com o seu irmão mais velho visitam regularmente o avô. A menina já sabe contar, conhece os meses e os dias da semana e é muito atenta a tudo o que se passa. Vê uma “avozinha” a tremer e coloca-lhe um xaile para não ter frio. Há tempos a avó disse-lhe: “olha que Deus castiga as meninas que se portam mal.” A menina respondeu à avó: “Não pode ser, Ele já morreu há muitos anos.”
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Janeiro/2018