RECORDAR HERMANO NICOLAU MARIA LAMBERS – PADRE DAMASO

Conheci o Padre Dâmaso há quase meio século, quando em concurso público entrei para os Serviços Prisionais. Desde o nosso primeiro encontro ficámos amigos.

Nasceu na Holanda e na sua terra brincava com outras crianças, de religiões diferentes. Entrou para a Congregação dos Sagrados Corações de Maria. Ordenado sacerdote quis ir missionar para a Polinésia. Porém em Maio de 1957 veio para Portugal e nunca mais regressou ao seu País, obtendo a nacionalidade a nacionalidade portuguesa. Pregou retiros a padres, integrou missões populares e colaborou na introdução dos Cursilhos de Cristandade em Portugal.

Em 1959 iniciou a missão pastoral nos Estabelecimentos Prisionais durante mais de cinquenta anos, nunca abandonando a Cadeia do Linhó, a sua casa até à sua morte.

Nessa qualidade visitou-me três vezes no Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, deixando diretrizes práticas ao nosso Assistente Religioso e Voluntários.

Participei em diversos Encontros Nacionais em Fátima, Leiria e Lisboa. Num deles os Visitadores Voluntários manifestaram a sua grande preocupação por não terem um assistente e alguns ultrapassados das realidades prisionais. O Padre Dâmaso ouviu-as com atenção e interrogou-os quantos filhos tinham e quantos mandaram para os Seminários. Não mandateis nenhum, e quereis que eu os vá buscar às Caldas da Rainha.

Dada a sua sabedoria, a sua comunicabilidade, a vivência de estar sempre junto das periferias sociais, sempre junto dos marginais, excluídos e pobres fundou em meados dos anos a Associação o Companheiro, nuns terrenos cedidos pela Câmara de Lisboa, com a preocupação da reinserção de ex-reclusos.

Em 1976 foi uma presença diária nos microfones da Rádio Renascença, com um Programa Caminhos da Vida e na Rádio Sim com o Apontamento Boa Noite, com um enorme carisma de comunicador. Nos estúdios da R.R. tem uma sala a evoca-lo com o seu nome.

Numa manhã fria dos fins de Fevereiro, através do circuito interno de televisão das Irmãs Hospitaleiras de Condeixa, li a notícia da sua morte. Esperei que se repetisse para acreditar. O meu pensamento para a sua figura alta, desassombrada, com uma voz forte de abanar consciências adormecidas, no meu silêncio rezei a Deus para o receber no seu Reino.

Uns meses antes marquei uma entrevista para escrever uma crónica. Disse-me para aparecer quando quisesse nos Estúdios da R.R., e o respetivo horário. Informei-o mais tarde, que me encontrava doente e logo que me restabelecesse irei ter com ele.

Com o seu falecimento já não é possível, talvez um dia, na eternidade tenhamos esse encontro.

A comunicação social escrita e falada não lhe deu o relevo que merece um HOMEM, cheios de humanidades.

Recebeu das mãos de Cavaco Silva a Condecoração de Grande Oficial da Ordem de Mérito,

Foi homenageado pela Prision Felowship International e Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu a

Obra deste Grande Missionário e compareceu no velório. No caminho para o Cemitério o

Corpo passou pelo Estabelecimento Prisional do Linhó, a sua última morada Terrestre.

Levou consigo dois GRANDES AMORES – OS RECLUSOS E A RÁDIO RENASCENÇA, e nunca

Ninguém esquecerá a sua habitual frase, “ JESUS É FANTÁSTICO.”

Em memória do Padre Dâmaso, transcrevo o poema “ CAMINHO DA LIBERDADE”, do Escritor

Miguel Santos, no seu Livro “ A AZENHA DERRUBADA.”

CAMINHO DA LIBERDADE

Ser livre é permitir que a alma frutifique em terra de ninguém, terra fértil, terra preta, o húmus da solidão.

Nessa terra, posso ver as neblinas que chegam com o frio da noite e envolvem lentamente os ramos dos choupos. Caminhando é possível alcançar as árvores, mas a neblina afasta-se.

Nessa terra, caminho só, oiço o silêncio do inverno e fico suspenso no tempo sem chegar ao destino.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2018