Serenata é em Coimbra!
Esta é a noite, a maior das noites, a noite da Saudade. Davam as doze badaladas no alto da velha cabra e começaram a correr os acordes de umas guitarras – eís aí o princípio do fim, começava a Queima das Fitas, a maior festa dos estudantes portugueses, anunciava a hora da despedida. A alegria trazia o sopro amargo da lição do fado de Fernando Machado Soares, quando cantava, “Não me tentes enganar/ ai com tanta formosura/ que por detrás de cada luar/ há sempre uma noite escura!” O fado de Coimbra é dos estudantes, é a nossa vida, é o único canto da saudade que vive na hora da despedida.
Reprodutor de áudioA Universidade de Coimbra pode celebrar 725 anos, ser uma das mais antigas do mundo, ser património mundial da UNESCO, ter a associação académica mais antiga de Portugal, ser o maior foco das revoluções deste país, mas Coimbra, acima de tudo, é paixão, é garra, é a certeza que nem a morte nem a vida nos poderá um dia deixar de a chorar. Nesta noite, todos se reúnem junto à Sé Velha para ouvir a Serenata, Monumental lhe chamaram, por ter tantos, mas tantos que a adoram. No meio da noite só o preto das capas traçadas ao som das guitarradas se nota, no meio, vêem-se fitas de cor como agoiro do fim, são as rosas de Santa Isabel que caindo do Céu choram a cidade amada pelas águas do Mondego.
Hoje toda a cidade é dos estudantes, hoje toda a Saudade é nossa. Saudade, que palavra cruel para descrever o amor, mas a Saudade é o único contrato que não celebramos com a vida, ela existe quando quer e só vem quando tudo o resto vai. “A tua capa bateu no chão abriu em flores” isto é a praxe de Coimbra, é chorar porque se viveu é ter a certeza que dávamos tudo para viver de novo. Muitas vezes estes estudantes ficam dias e dias longe de seus pais, de suas famílias, de suas casas, de seus amigos, das suas terras, mas aqui? Aqui têm-se uns aos outros, têm a capa como teto e o coração como casa – eis aí o significado da praxe.
Os grandes amigos, uma nova vida, uma nova família numa serenata choram o amor que os unem. Ouvem-se as doze badaladas, quem não choraria ao ouvir a velha cabra lá no alto gemer assim? A capa é o refúgio dos que estão perto, é o aconchego dos que estão longe, é acima de tudo uma maneira de viver. O preto dos estudantes é o desenho do adeus em que os latinos puderam ver o que um dia quis dizer “E pluribus, unum”, na verdade, somos todos um, todos somos todos dentro de cada um. Saudade é o sentimento desta cidade, que por rebeldia divina, toma sempre mais encanto ai na hora da despedida! “Segredos desta cidade levo comigo prá vida!”
Mário Silva

Serenata é em Coimbra