UMA IDA A TRÁS-OS-MONTES

A viagem é de quase cinco horas: Fundão – Macedo de Cavaleiros – Peredo, no coração trasmontano.

Mas vale a pena passar por territórios de viriato, de gente guerreira, por onde passaram muitos povos, hoje praticamente esquecidos.

Na cidade da Guarda deparo-me com uma central de camionagem a precisar de ampliação e de melhor acolhimento, onde mal cabem os autocarros com manobras difíceis.

Na cidade de Viseu, onde já não me recordava de passar, percorro muitas rotundas, talvez a capital europeia das rotundas, fico com a cabeça à roda. À minha frente segue uma carrinha que me avisa: ”se algo correr bem, ocorrerá bem”, uma sentença à “Lá Palhice”.

Já fora de prazo, a parte traseira de um autocarro faz propaganda às cerejas de Alfândega da Fé.

Também fico a saber onde se encontra a ADFA (Associação dos Deficientes das Forças Armadas), que tão mal tem sido tratada nesta Pátria. Ninguém imagina as doenças colaterais que tantas dores têm causado a estes Homens e seus descendentes.

A minha atenção fixa-se em três painéis pintados em edifícios com muito bom gosto, temas agrícolas em territórios rurais. Uma bela arte de graffiti, o que nem sempre acontece.

Percorrendo o espaço visiense, não faltam indicações toponímicas de vários museus municipais, fixando a minha atenção no Museu do Quartzo.

A caminho de Vila Real avisto castanheiros e outras árvores de forte porte que já não aguentam as súbitas mudanças climatéricas. As paisagens são negras, pedregulhos fantasma à vista, sem vegetação, serranias sem alma, troços de autoestradas com fortes inclinações e pórticos alarmantes, autênticas máquinas registadoras de fazer dinheiro à custa dos pobres.

Entro na cidade de Lamego, a “Cidade Monumental”, onde há indicações das festividades de Nossa Senhora dos Remédios. Fixo a Casa das Brolhas, um enorme casario, uma Casa Senhorial. À saída, depois de mais uma indicação – “O Copo ou a Vida”-, entra-se no Património Mundial Vinhateiro. Espreguiçando-se por montes e vales avistam-se vinhedos, já com as folhas amarelecidas, tapetes de grande beleza. À mistura a Rota do Românico e do Vinho do Porto.

Ao passar por estes territórios, recordo que em Dezembro de 2001 foi classificado de Património Imaterial da Humanidade. Mas o Douro é muito mais que um amontoado de terras ou sendas de xisto, muros, terraços, vinhedos, castas, vinhos, quintas, casas, armazéns, vias férreas…O Douro é um universo cuja ossatura foi sempre o trabalho humano, muitas vezes pago a baixo preço. Trabalho duro, de cava, de surripia, de escavação, de enxertia, de adubação, de vindima, de pisamento das uvas, de tratamento das moléstias e das doenças. Trabalho de homens, mulheres, adultos, jovens, crianças, grupos de cavadores e ranchos de aldeões.

Ser PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE é uma homenagem à dignidade do trabalho humano realizado através de muitas gerações em rochas-mães.

Segue-se a viagem, nova entrada na autoestrada e mais portagens com destino a Peso da Régua, junto ao Rio Douro, com passagem pela Cabeça do Burro. Fica a dúvida se esta cabeça assenta em quatro ou em duas patas.

Na moribunda estação da C.P., há uma paragem obrigatória para ver Locomotivas…sem vapor.

Em Vila Real dá-se um transbordo para um autocarro com apenas uma vaga na banheira, uma reserva especial na companhia de uma família cigana que dormitava. A Mãe alimenta o filho com o peito enquanto os manos menores a vigiam e protegem. Lembro-me da minha saudosa Mãe ao ver esta bela imagem de uma família unida…

Mirandela é a penúltima etapa da viagem, uma cidade banhada pelo Rio Tua que lhe oferta muitos benefícios, principalmente turísticos, uma polis em crescimento.

Em Macedo de Cavaleiros está um arraiano sabugalense à minha espera para seguir viagem para Peredo, uma aldeia com uma antiga taberna transformada em Restaurante – O SALDANHA.  Para lá dos pratos tradicionais transmontanos, dá a ver inúmeros instrumentos agrícolas e musicais…

Ali perto, em Vale de Moinhos, um pastor conduz um numeroso rebanho com a ajuda preciosa de um cão. As ovelhas obedecem caninamente.

Há sítios em que mal chegados sentimos logo vontade de voltar.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Novembro/2018